Os
homens de 15 a 29 anos representam 61,3% das internações por problemas de saúde
mental no SUS (Sistema Único de Saúde),
com taxa de 708,4 por 100 mil habitantes —57% maior que a das mulheres (450),
aponta estudo da Fiocruz (Fundação
Oswaldo Cruz) divulgado nesta segunda-feira (8).
O abuso
de substâncias psicoativas é a principal
causa das internações de homens jovens (38,4%). A maioria dos
casos (68,7%) decorre do uso de múltiplas drogas, seguido pela cocaína (13,2%)
e pelo álcool (11,5%). Entre homens e mulheres, o abuso de drogas e os transtornos
esquizofrênicos respondem por 31% e 32% das internações na rede
pública, respectivamente.
Coordenador
da Agenda Jovem Fiocruz (AJF) e um dos autores do estudo, André Sobrinho
relaciona esse cenário a fatores culturais, como padrões de masculinidade, e à
precariedade no trabalho e na educação. Acesso facilitado a substâncias,
pressão por desempenho e expectativas sociais também influenciam o adoecimento.
Os
dados foram levantados por pesquisadores da AJF e da Escola Politécnica de
Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). Foram utilizados os números de 2022 a
2024 disponíveis das bases do SUS sobre internações hospitalares, óbitos e
atendimentos na APS (Atenção Primária à Saúde) entre jovens de 15 a 19 anos,
além do Censo 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)
para o cálculo das taxas de mortalidade e internação.
Entre
mulheres e homens de 15 a 29 anos, as internações por questões de saúde mental chegam
a 579,5 casos por 100 mil habitantes, com 262.606 registros no período. As
taxas são ainda maiores entre 20 e 24 anos (624,8) e entre 25 e 29 anos
(719,7), superando inclusive as de adultos acima de 30 anos (599,4).
As
principais causas de internação na juventude são esquizofrenia e similares
(31,9%), como transtornos delirantes persistentes, além de abuso de substâncias
psicoativas (31,0%) e transtornos do humor, como depressão e
ansiedade.
Já
os transtornos do humor são a principal causa de internação (36,7%) entre
mulheres jovens, sendo a depressão responsável por 61% dos casos. Os registros
estão associados a fatores como jornadas exaustivas, sobrecarga
de cuidados, assédio no trabalho e insegurança nos territórios.
"As
mulheres são as que mais relatam queixas ligadas ao estresse e ao assédio. Isso
aparece de forma muito forte", afirma o pesquisador.
Para
Luciane Ferrareto, pesquisadora da EPSJV/Fiocruz e especialista em juventude e
saúde, os dados refletem o impacto do machismo estrutural na vida de meninas e
mulheres desde a infância.
Ela
cita a tutela familiar excessiva, a repressão comportamental e a limitação da
autonomia como elementos que marcam a adolescência feminina. Na vida adulta,
a sobrecarga
do cuidado, com filhos, idosos ou
tarefas domésticas, agrava o adoecimento, especialmente quando leva ao abandono
dos estudos, à saída do trabalho ou à perda de vínculos sociais.
O
psiquiatra Dartiu Silveira, professor da Unifesp (Universidade Federal de São
Paulo) e especialista em dependência química, afirma que a epsquisa da Fiocruz
confirma o que profissionais observam na prática clínica: jovens, sobretudo os
mais pobres, estão mais vulneráveis a quadros graves de sofrimento psíquico,
muitas vezes invisibilizados por preconceito e falta de informação.
"Existe
um discurso de cobrança: ‘você é jovem, se vira, aguenta’. Isso faz com que
sintomas graves passem despercebidos", diz. Depressão, psicose e abuso de
álcool e drogas são frequentes e, muitas vezes, subdiagnosticados nessa faixa
etária, afirma o especialista.
O
estudo também mostra baixa procura dos jovens por serviços de saúde mental. No
período analisado, apenas 11,3% dos atendimentos na atenção primária foram
relacionados ao tema —menos da metade da proporção observada na população geral
(24,3%).
Sobrinho
reforça que estigmas e preconceitos ainda desqualificam o sofrimento dos
jovens, frequentemente visto como frescura pelas gerações mais velhas. Para
ele, a nova geração está apenas nomeando dores que sempre existiram, mas que
agora exigem acolhimento real.
"A
juventude é sempre associada a potência e mudança, mas não adianta cobrar isso
sem garantir condições dignas de vida. Escutar a dor desses jovens e criar
estratégias para que vivam melhor é responsabilidade do Estado e da
sociedade", afirma.
A
juventude concentra também o maior risco de suicídio: 31,2 casos por 100 mil
habitantes, acima da taxa da população geral (24,7).
Entre
povos indígenas, o cenário é ainda mais grave. Essa população apresenta a maior
taxa de suicídios do país: 62,7 por 100 mil habitantes. Entre homens indígenas
de 20 a 24 anos, o índice chega a 107,9.
Sobrinho
afirma que os dados sobre a população indígena evidenciam tanto o impacto dos
conflitos territoriais quanto as dificuldades de acesso a serviços de saúde
adequados nos territórios tradicionais.
Segundo
Silveira, a depressão é o principal fator de risco para suicídio em qualquer
idade, especialmente entre jovens e idosos. Muitas vezes, diz ele, o consumo de
substâncias funciona como tentativa de automedicação diante do sofrimento
emocional.
"O
risco de suicídio dobra quando o jovem
com depressão também faz uso abusivo de álcool ou outras
drogas", explica. Mudanças importantes de comportamento devem acender um
sinal vermelho: tristeza persistente, apatia, queda de produtividade, perda de
interesse por atividades cotidianas e falta de motivação.
No
caso do uso de substâncias, a frequência é um indicador fundamental. "O
uso diário é um alerta. E vale para qualquer substância. Se alguém diz que fuma
maconha a cada quinze dias, é improvável que isso tenha grande impacto na
saúde, mas se precisa usar todos os dias para se sentir bem, essa pessoa não
está bem", afirma. O mesmo vale para o álcool ou outras substâncias.
Para
Silveira, a internação se torna necessária quando há sinais de depressão grave,
especialmente se houver risco de suicídio. Ele ressalta, porém, que é possível
tratar fora do hospital quando existe estrutura familiar e rede de apoio.
No
caso da dependência química, alerta que a internação nem sempre é indicada —e,
na maioria das vezes, não funciona quando é involuntária. "Dependência é
tratada melhor em regime ambulatorial. Internações involuntárias têm baixo
sucesso, porque o paciente sai e volta a usar", diz. A internação só é
recomendada quando há uso abusivo associado à depressão grave ou risco de
suicídio.
O projeto
Saúde Pública tem apoio da Umane, associação civil que tem como
objetivo auxiliar iniciativas voltadas à promoção da saúde.
Fonte _ Folha

Nenhum comentário:
Postar um comentário