A
crise do novo coronavírus causou um aumento na procura pelo oxímetro, aparelho
que mede a saturação de oxigênio no sangue, uma das formas de perceber a doença
no corpo. Como alternativa ao produto, circulou nas redes sociais um vídeo que
ensina a fazer essa medição com o app Samsung Health, em celulares da Samsung.
Mas segundo especialistas, o recurso não substitui exames médicos.
De acordo
com o vídeo, a aferição pode ser realizada após se ativar a função
"estresse" do Health e colocar o seu dedo em um sensor ao lado da
lente da câmera traseira. A ferramenta não está disponível em todos os
aparelhos da Samsung, mas em smartphones top de linha como os da linha S e Note
lançados no últimos anos.
Aí
vem a pergunta: se você tiver um desses smartphones que trazem o medidor de
saturação de oxigênio, não precisa comprar oxímetro? Calma que não é bem assim.
"Nenhum aplicativo de celular funciona. Nenhum tem qualidade médica,
precisão ou pode ser usado em uma situação onde você tenha dependência dele
para uma decisão", destaca o biomédico Renato Sabbatini, um dos fundadores
da Sociedade Brasileira de Informática em Saúde.
De
acordo com Sabbatini, os resultados obtidos por meio de aferições no celular
chegam a errar o diagnóstico em até 20%, quando o tolerável é algo em torno de
2%. A própria Samsung admite que os celulares vendidos no Brasil não têm o
sensor necessário para a medição.
Em resposta a Tilt, a empresa afirmou que
"conforme orientado nos termos e condições de uso, o Samsung Health
destina-se apenas a condicionamento físico e bem-estar e não deve ser usado
para diagnóstico, alívio, tratamento, cura ou prevenção de doenças ou outras
condições".
Além disso, a Samsung apontou que "qualquer informação
encontrada, obtida ou acessada por meio do Samsung Health é disponibilizada
apenas para a comodidade do usuário e não pode ser considerada como orientação
médica".
Por
que não funciona?
Usando um fotorreceptor, o oxímetro mede a saturação do
sangue e batimentos cardíacos com dois comprimentos de onda: um na luz vermelha
e um no infravermelho.
O aparelho lê o quanto de luz atravessou aquela região
do corpo e, a partir desses dados, detecta a quantidade de oxi-hemoglobina e a
hemoglobina sem oxigênio. Depois disso, um cálculo do aparelho determina quanto
foi absorvido de um dos comprimentos e traz a porcentagem da saturação de
sangue.
"Se
você acender uma lanterna e colocar seu dedo, o outro lado do dedo acende. A
medida da saturação do oxigênio é feita em função dessa ideia. A luz, quando
atravessa uma parte fina do nosso corpo, tem componentes absorvidos",
explica Júlio Lucchi, Doutor em Engenharia Eletrônica, Computação e Coordenador
Geral da pós-graduação do Instituto Mauá de Tecnologia.
Enquanto o oxímetro usa
a oximetria de transmissão, os smartphones utilizam a de reflexão, ainda não
tão bem aceita na medicina. Nesse segundo tipo, a ideia é a de que as luzes,
além de atravessar o tecido, também são refletidas pela ponta do dedo. Assim,
ao colocar um receptor para captar essa luz refletida, é possível calcular a
saturação do oxigênio.
Para
seguir esse método, aplicativos de terceiros usam o flash da câmera do celular
como um emissor de luz e a lente da câmera como receptor. Segundo o site The
Verge, até mesmo um app para iPhone chamado Pulse Oximeter fazia isso, mas foi
retirado da App Store. No caso da Samsung, o sensor emite luz vermelha e faz
essa dupla função.
Os problemas já começam na luz emitida pelo flash. "A
luz branca tem todos os comprimentos de onda, todas as cores estão ali. Não se
sabe em que proporção isso está deixando difícil auferir", explica Júlio
Lucchi. Mesmo o sensor da Samsung criado para esse fim não é algo 100% confiável,
segundo o especialista.
Por
exemplo, se a unha estiver com esmalte, a maior parte da luz será refletida em
vez de atravessar o dedo, gerando um dado equivocado. "Estaria chegando
uma dupla reflexão no sensor. Dependendo da cor do esmalte, a luz reflete ainda
mais", explica.
Os smartphones também não contam com calibração para
aferir a saturação de oxigênio nem passaram pela aprovação da Anvisa e do
Inmetro, que regulam e garantem que um oxímetro está funcionando corretamente.
Quais
os riscos de uma medida equivocada?
Um dos principais problemas de usar o
celular para aferir a saturação de oxigênio é obter um resultado falso, o que
faria os usuários tomarem decisões equivocadas, como corridas desnecessárias ao
pronto-socorro.
Já Renato Sabbatini aponta outro problema: um relaxamento
equivocado do paciente. "Um dos principais problemas é o falso negativo,
que pode deixar a pessoa a vontade, não alertada, mas na verdade ela está
passando por uma coisa crítica", ressalta.
Além disso, a aferição deve ser
vista apenas como um dado complementar aos exames clínicos. "Não adianta
ter um oxímetro na mão de um leigo que não vai saber como interpretar", afirma
o pneumologista Rodrigo Santiago, especialista pela Sociedade Brasileira de
Pneumologia e Tisiologia.
Já
o professor de pneumologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo)
Clystenes Soares acredita que o celular até pode ser um sinal ao paciente em
certos casos. Por exemplo, se uma pessoa já se media regularmente e foi
diagnosticada com Covid, uma falta de ar pode apresentar no app valores muito
abaixo do habitual.
"Sinceramente eu não dou a mesma credibilidade que um
oxímetro, mas as vezes a medida até fica próxima. Quem não tem o oxímetro pode
usar como referência. Se sua saturação nesse dispositivo estava boa e agora
caiu muito, isso tem que ser valorizado. Mas se você está na dúvida, não
use", destaca.
Fonte_UOL
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