O NHS
(Serviço Nacional de Saúde), espécie de SUS do Reino Unido,
testa pela primeira vez em humanos um sangue artificial produzido em
laboratório. A ideia é que a tecnologia possa diminuir a dependência por doação
de sangue no futuro, especialmente em casos de pessoas com sangue
raro ou que necessitam de transfusões constantemente.
O
sangue testado em humanos por pesquisadores ligados ao NHS é desenvolvido a
partir de células-tronco.
No corpo humano, células-tronco passam por diferentes processos físicos e
químicos na medula óssea. É por meio desses processos que essas células
produzem hemácias, ou os glóbulos vermelhos.
Os
cientistas investigaram esse complexo mecanismo de sinais enviados às
células-tronco. O objetivo era simular, mesmo que parcialmente, esses estímulos
em laboratório, algo que foi alcançado. Uma solução nutritiva foi desenvolvida
para esse fim.
É
nessa solução que células tronco hematopoéticas foram colocadas. Mateus
Vidigal, pesquisador do Genoma USP (Centro
de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco) e sem relação com a pesquisa
britânica, afirma que essas células-tronco "são células encontradas no
sangue e que, naturalmente, dão origem às células
sanguíneas".
De
18 a 21 dias, a solução nutritiva estimula as células a se multiplicarem e se
desenvolverem em hemácias, as células do sangue responsáveis pelo transporte de
oxigênio. Então, essas células foram filtradas para, depois, serem infundidas
nos voluntários do estudo clínico.
No
mínimo, a pesquisa vai inserir o sangue
artificial em dez participantes do estudo. A pesquisa é dividida
em dois momentos. Uma das transfusões é com hemácia produzida naturalmente e a
outra envolve o sangue produzido no laboratório. O objetivo é comparar as duas
substâncias para concluir se as hemácias artificiais duram tanto quanto aquelas
advindas de uma transfusão comum.
Normalmente,
uma transfusão de sangue natural conta com hemácias jovens, que duram cerca de
120 dias, e outras maduras que perduram por um tempo menor. Em estudos
pré-clínicos com o sangue artificial, os pesquisadores do NHS concluíram que
as células
artificiais cumprem as mesmas funções e duram até por mais tempo
que as hemácias naturais. Com a pesquisa em voluntários, os cientistas buscam
entender se esse desempenho será o mesmo no corpo humano.
Isso
pode ser um problema. Fernanda Azevedo Silva, professora de hematologia da
Faculdade de Medicina da
UFF (Universidade Federal
Fluminense) e sem relação com o estudo britânico, explica que o
organismo humano conta com um mecanismo para identificar células defeituosas.
Por exemplo, hemácias precisam se alterar para passar por vasos
sanguíneos mais estreitos. Se as versões artificiais dessas
células não cumprirem tais requisitos, existe a possibilidade delas serem
destruídas.
Mesmo
assim, a professora da UFF afirma que o desenvolvimento de sangue artificial é
um importante avanço no meio científico. "Até hoje, não existe sangue
artificial. Muitas tentativas foram feitas, mas sem sucesso."
No
entanto, o estudo ainda é muito experimental. Em informações oficiais
fornecidas à reportagem, o NHS disse que "a introdução de novos
tratamentos pode levar de 5 a 15 anos", já que muitos outros passos ainda
precisarão ser feitos antes de, se tudo correr bem, consolidar a tecnologia.
Além
disso, o sangue artificial provavelmente será destinado a um público bem
específico. Pessoas com anemia
falciforme, por exemplo, precisam constantemente receber transfusões de
sangue. As hemácias produzidas em laboratório poderiam ser úteis para evitar
escassez da substância para esses pacientes.
Indivíduos
com sangue
raro são outro público-alvo dessa tecnologia. Essas pessoas
normalmente enfrentam dificuldades para encontrar doadores compatíveis. Como o
sangue artificial é produzido a partir de células-tronco, seria possível
selecionar essas células de pacientes com sangue raro e desenvolver as hemácias
a partir desse tipo sanguíneo.
Outra
possibilidade é que, no futuro, a produção de sangue artificial não seria mais
dependente do cultivo constante de células-tronco. A ideia é que talvez seja
possível desenvolver linhagens celulares que produzem hemácias constantemente,
sem depender da ingestão de novas células-tronco na solução nutritiva.
O
NHS disseque essa ideia ainda é muito preliminar e várias pesquisas precisam
ser feitas para, talvez, alcançar tal feito. Percepção parecida é de Vidigal, o
pesquisador do Genoma USP. "Eu acho que é bem futurista", afirmou o
cientista em referência a essa ideia.
Fonte _ Folha
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