Desde
o último dia 1º de julho, o calendário
nacional de vacinação passou a incluir a vacina
meningocócica ACWY para
crianças de 12 meses. Anunciada em 28 de junho pelo Ministério da Saúde, essa
atualização representa um avanço importante na prevenção da meningite no
Brasil, ampliando a proteção que antes era limitada ao tipo C.
A
nova vacina protege contra quatro sorogrupos da bactéria Neisseria meningitidis
(A, C, W e Y) e passa a substituir a dose de reforço da vacina
meningocócica C, que é aplicada aos 3 e aos 5 meses do bebê. Até então,
a versão mais completa da vacina, a ACWY, era oferecida pelo Sistema Único de
Saúde (SUS)
apenas para adolescentes entre 11 e 14 anos. Para as crianças pequenas, a
imunização disponível abrangia apenas o sorogrupo C, historicamente o mais
prevalente no país.
Com
a ampliação, os pequenos passam agora a estar protegidos também contra os
sorogrupos A, W e Y. Segundo a pediatra Flávia Bravo, diretora da Sociedade
Brasileira de Imunizações (SBIm), a principal diferença entre a vacina C e a
ACWY está justamente na abrangência dos sorogrupos cobertos. "A tecnologia
das duas é a mesma, mas a ACWY oferece proteção contra mais três sorogrupos que
podem causar doença invasiva grave", explica.
A
vacina ACWY é inativada, o que significa que não é capaz de causar a doença.
Ela é composta por fragmentos das cápsulas bacterianas dos sorogrupos A,C,W e
Y, ligados a uma proteína que ajuda a gerar uma resposta imunológica mais
eficiente.
O
sorogrupo C continua sendo o mais comum no Brasil, mas o acréscimo dos outros
grupos é importante, já que todos podem provocar uma forma de meningite
altamente letal e com potencial para deixar sequelas severas.
"O
sorogrupo W, por exemplo, tem chamado atenção porque tivemos um aumento de
casos no Sul do país e em outros países da América Latina", observa Bravo.
"Esses surtos podem surgir de forma inesperada e, quando vacinamos a
população contra diferentes sorogrupos, prevenimos futuras mudanças no cenário
epidemiológico."
A
epidemiologia da doença meningocócica é dinâmica e difícil de prever.
"Mesmo que hoje o sorogrupo W não seja o mais preocupante, em um
determinado momento ele pode se tornar. Por isso, ampliar a proteção é
fundamental. Quando a população já está amplamente imunizada, reduzimos o
impacto de possíveis surtos", comenta.
Em
relação à segurança da vacina ACWY, a especialista afirma que o perfil de
reações adversas é semelhante ao da vacina contra o sorogrupo C. "Pode
causar dor local, vermelhidão, inchaço – o que é esperado com qualquer
imunizante. As vacinas conjugadas são um pouco mais reatogênicas, mas nada
preocupante. A única contraindicação são casos de alergia a componentes da
vacina ou a doses anteriores", pontua a especialista da Sbim.
Queda
no número de casos Segundo dados do painel de meningite do Ministério da Saúde,
em 2025 já foram registrados 4.406 casos da doença no Brasil. Desse total,
1.731 foram causados por bactérias (361 deles por meningococos), 1.584 por
vírus e 1.091 por outras causas ou de origem não identificada.
Em
2024, o país contabilizou 13.831 casos de meningite, sendo 5.558 bacterianos,
dos quais 820 foram atribuídos a meningococos. Já em 2023, foram confirmados
16.464 casos, incluindo 5.435 de origem bacteriana, com 730 infecções causadas
por meningococos.
De
acordo com Flávia Bravo, a queda nos casos da doença no Brasil está diretamente
relacionada à vacinação, especialmente contra o sorogrupo C. "Aqui, as
principais vítimas são crianças. Quando introduzimos a vacina contra a meningo
C, vimos uma queda brutal nos casos, porque protegemos justamente o grupo mais
atingido", relata.
Com
o tempo, no entanto, esse sucesso acabou mudando o perfil da doença. Como as
crianças passaram a estar protegidas contra o tipo C, outros sorogrupos (como o
B) começaram a se tornar proporcionalmente mais prevalentes. "Em termos
absolutos, não houve aumento. Mas, como a vacina contra o B não está disponível
no SUS para todas as crianças, ele tem sido mais comum entre os pequenos
atualmente", conta.
Identificação
ainda é complexa
A
identificação do sorogrupo causador da meningite ainda é um desafio no Brasil.
Fatores logísticos e estruturais dificultam o diagnóstico laboratorial preciso
em todas as regiões, que dependem de laboratórios centrais especializados para
identificar o agente corretamente. "Coletar material adequado, como liquor
ou sangue, no tempo certo, e garantir que chegue com qualidade aos laboratórios
centrais ainda é um obstáculo em várias partes do país", diz Bravo.
Além
disso, iniciar o tratamento antibiótico antes
da coleta, uma medida necessária dada a gravidade da doença, também pode
prejudicar o diagnóstico. "A doença é extremamente agressiva, pode levar à
morte em 24 horas. Quando há suspeita de meningite, o tratamento com
antibiótico deve começar imediatamente, mesmo sem diagnóstico laboratorial
definitivo. Ainda assim, com as amostras que conseguimos obter, é possível
estabelecer um bom panorama da circulação dos sorogrupos e embasar políticas
públicas", afirma a pediatra.
Esquema
vacinal
Com
a atualização do calendário, que já está em vigor, o esquema
vacinal contra meningite no SUS passa a ser: meningocócica C aos 3
e 5 meses, meningocócica ACWY aos 12 meses e uma nova dose da ACWY entre 11 e
14 anos. Para crianças menores de 5 anos que ainda não receberam o reforço aos
12 meses, será possível atualizar o esquema com a vacina mais abrangente.
Segundo
o infectologista Alfredo Gilio, coordenador da Clínica de Imunizações do
Einstein Hospital Israelita, essa é uma mudança significativa na estratégia
nacional. "A introdução da ACWY para crianças aumenta consideravelmente a
cobertura contra a meningite. Apesar do sorogrupo A ter pouca relevância no
Brasil, os grupos W e Y já representam cerca de 10% das infecções
meningocócicas", alerta.
A
meningite é uma inflamação
das meninges, membranas que revestem o cérebro. Os sintomas mais comuns
são cefaleia intensa, vômitos, febre alta e rigidez de nuca. "Aquela
manifestação cutânea de petéquias [pequenos sangramentos na pele] é mais
frequente com a meningite meningocócica. Quando aparece junto a esse outro
quadro de sintomas, logo suspeitamos de meningite por meningococo e vamos
começar a tratar imediatamente", explica a diretora da Sbim.
Fonte _ Folha
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