Como surge uma vacina?
Uma vacina na qual o corpo não entre em contato com
o vírus, tampouco com seu vetor viral, mas o próprio organismo sintetize
pequenas proteínas do capsídio do Sars-CoV-2 suficientes para ativar o sistema
imunológico contra esse patógeno e deflagrar memória com uma eficácia estimada
de cerca de 95% – isso tudo sem a chance mais remota de infecção por covid-19
(ainda para imunossuprimidos).
Essa é a base do desenvolvimento de vacinas de mRNA
(RNA mensageiro) – ou terceira geração de vacinas, o que temos de mais inovador
na imunologia hoje. Suas representantes em circulação são a BNT162b2 (Pfizer –
BioNTech) e a mRNA-1273 (Moderna).
De certo tais premissas trouxeram desconfiança em
grande parcela populacional. No entanto, apenas o conhecimento nos mune de
discernimento razoável, e compreender o que as pesquisas mais atuais e robustas
dizem acerca dos benefícios e danos colaterais da técnica em questão é pauta
indispensável no contexto em voga de vacinação em massa.
Geração de vacinas: polêmico desenvolvimento e
produção
O argumento de que o desenvolvimento desses
imunizantes ocorreu em tempo recorde é absolutamente cabível em caso de
descrença. Todavia, embora não existam vacinas de mRNA previamente aprovadas
até o eclodir da pandemia de coronavírus, vacinas de igual mecanismo foram
testadas em humanos para terapias oncológicas por quase uma década (a
NCT01684241), e idem para doenças infecciosas por mais de 3 anos.
Foi em meio ao cenário conturbado de grande
infecção por covid-19, contudo, que, em 8 meses de pesquisas, a candidata a
vacina da Pfizer – BioNTech, seguida da Moderna, foram aprovadas pela Food and
Drug Association (FDA) e, posteriormente, pela Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (ANVISA) no Brasil em 23 de fevereiro deste ano de 2021.
O acelerado desenvolvimento das vacinas se
justifica devido à própria natureza da produção da vacina de mRNA e à toda
bagagem de conhecimento prévio do campo da imunologia unida à genética.
Todo o necessário para a elaboração delas foi o
conhecimento da sequência gênica do antígeno, neste caso, a proteína spike (S)
do SARS-CoV-2. Após sua síntese in vitro, essas vacinas passaram por todas
as etapas de revisão da FDA pelas quais todos os medicamentos passam até sua
aprovação para comercialização.
O processo de revisão foi mais rápido do que em
situações ordinárias por conta da urgência imposta pela pandemia atual. Nenhuma
etapa foi omitida neste processo, no entanto.
Mecanismos de funcionamento e eficácia
A síntese do mRNA em laboratório é realizada
mediante a enzima fago RNA polimerase e DNA molde. Todavia, o RNA exógeno é
tido como um Padrão Molecular Associado a Patógeno (PAMP) reconhecido pelos
Receptores Semelhantes a Toll (TLR3, TLR7 e TLR8) de nossas células da
imunidade inata. Uma vez que isso ocorra, é desencadeada uma forte reação
imunológica, caracterizada por inflamação importante, com grandes chances de
evolução para sepse e morte.
Diante
dessa situação, o mRNA utilizado na profilaxia sofre uma modificação de seus
nucleosídeos – a uridina é substituída pela pseudouridina – o que é capaz de
suprir a atividade imunoestimuladora do mRNA tornando-o seguro.
Além
disso, por se tratar de uma molécula instável, o mRNA é envolto em uma cápsula
de nanopartículas lipídicas, evitando que se degrade. As duas vacinas
circulantes diferem-se em especial nas nanopartículas lipídicas empregadas como
adjuvantes, porém a eficácia de ambas é muito similar e beiram os 93,7% em
infeções no geral, sendo, ainda, 88,0% eficaz contra a nova variante delta.
Garantidos
os dois fatores acima listados, o mRNA purificado e encapsulado em
nanopartículas lipídicas (mRNA-LNPs) é capaz de induzir resposta imune,
conduzir a troca de classe de imunoglobulina, garantir a maturação de afinidade
e memória de células B de longo prazo. Assim, embora a durabilidade da proteção
não seja definitivamente conhecida, doses de reforço podem ser administradas no
futuro, se necessário, garantindo a imunização.
Efeitos
adversos estudados até o momento
As
informações a esse respeito ainda são nebulosas, estudos ainda estão em curso e
muitos dos publicados até então são inconclusivos.
O
que há de informação disponível aponta que, na vacina BNT162b2, os principais
eventos adversos potenciais identificados incluíram um risco excessivo de
linfadenopatia (78,4 eventos por 100.000 pessoas), infecção por herpes zoster
(15,8 eventos), apendicite (5,0 eventos) e miocardite (2,7 eventos). Outro
evento adverso relacionado à vacina que recentemente recebeu atenção na
literatura médica é a paralisia de Bell.
Para
contextualizar esses riscos, foi eleito um comparativo no qual estudou-se os
dados de mais de 240.000 pessoas infectadas por SARS-CoV-2 para averiguar seus
efeitos na incidência dos mesmos eventos adversos.
Nessa
óptica, a infecção por SARS-CoV-2 não apresentou efeito significativo sobre a
incidência de linfadenopatia, infecção por herpes zoster ou apendicite, contudo
estimou-se um risco considerável de miocardite (11,0 eventos por 100.000
pessoas).
A
infecção pelo vírus também parece aumentar expressivamente o risco de diversos
eventos adversos para os quais a vacinação não aumentou a incidência, como em
arritmia (166,1 eventos por 100.000 pessoas), lesão renal aguda (125,4 eventos
), embolia pulmonar (61,7 eventos), trombose venosa profunda (43,0 eventos),
infarto do miocárdio (25,1 eventos), pericardite (10,0 eventos).
Alguns
efeitos inesperados foram observados ainda. Aparentemente a vacina BNT162b2
pode proteger contra anemias e hemorragia intracraniana, possíveis complicações
da infecção por SARS-CoV-2.
O
risco em gestantes é considerado, porém carecendo, ainda, de estudos
longitudinais a esse respeito, as pesquisas preliminares são inconclusivas,
porém a recomendação é a suspensão da vacinação desse grupo com as vacinas de
mRNA.
Afinal,
elas têm potencial para interagir ou modificar o genoma humano?
Embora
haja uma preocupação justa de que as vacinas de ácidos nucleicos que utilizam o
DNA se integrem ao genoma da célula, utilizando o mRNA a probabilidade de que
isso ocorra é praticamente nula. O mRNA das vacinas comporta-se como o mRNA de
qualquer síntese proteica fisiológica. Sua tradução ocorre, portanto, no
citoplasma celular (fora do núcleo – onde o material genético está alojado),
logo essa interação entre mRNA das vacinas e genoma humano é especialmente
inviável.
Conclusão
As
vacinas com a tecnologia de mRNA são promissoras e seguras. Não demandam um
grande tempo de desenvolvimento, sendo, portanto, de grande valia em contextos
pandêmicos como o atual cenário de infecções por covid-19. Estudos estão em
curso para avaliar os seus eventos adversos em grande escala
populacional, no entanto, nenhuma evidência sugere efeitos colaterais
importantes que justifiquem a suspensão de sua aplicação – salvo na população
gestante.
Fonte_SANAR
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