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terça-feira, 1 de setembro de 2020

Historia dos Desastres Vacinais - USA

 


Especialistas alertam o governo dos Estados Unidos para os perigos de antecipar a liberação de uma vacina contra o novo coronavírus antes que os testes provem que ela é segura e eficaz. Décadas de história mostram por que eles estão certos.

Os alertas surgiram após o comissário da Agência de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA, em inglês), o médico Steven Hahn, dizer ao jornal Financial Times que o departamento estaria considerando autorizar o uso emergencial de uma vacina contra a Covid-19 antes de todas as fases dos estudos clínicos estarem concluídas.

O comissário tem autoridade para permitir que produtos médicos sem aprovação sejam usados em casos de emergência, quando não há alternativas adequadas ou aprovadas. Ele ressaltou, no entanto, que uma aprovação de uso emergencial não é a mesma coisa que uma aprovação total, e pode ser retirada.

Foi o que aconteceu com a hidroxicloroquina e a cloroquina. A FDA concedeu autorização de uso emergencial para os dois medicamentos – muito elogiados pelo presidente Donald Trump – no dia 28 de março. No entanto, a permissão acabou sendo revogada em junho, depois que estudos apontaram que as substâncias não são eficazes e podem causar sérios problemas cardíacos.

Aprovação da vacina

Para uma vacina ser aprovada por completo pela FDA, cientistas precisam reunir informações suficientes através de testes clínicos realizados com um grande número de voluntários. Com os dados coletados, os conselheiros da agência normalmente passam meses avaliando.

A aprovação de uso emergencial é muito mais rápida. Apenas uma vez a FDA concedeu a uma vacina uma aprovação padrão menor que essa, mas tratava-se de uma circunstância incomum.

Soldados entraram com um processo, alegando que uma vacina obrigatória contra antraz os deixou doentes, e um juiz interrompeu o programa. O Departamento de Defesa solicitou uma autorização de uso emergencial que anulou a decisão do tribunal em 2005, e permitiu que a vacinação dos militares continuasse, agora não mais obrigatória.

As vacinas têm que passar por todo o processo de testes clínicos e pela aprovação da FDA, que pode levar meses ou anos. Quando não segue todas as etapas, costuma haver problemas.

Incidente na Cutter Labs

No dia 12 de abril de 1955, o governo anunciou a primeira vacina para proteger crianças contra a poliomielite. Dentro de alguns dias, os laboratórios produziram milhares de lotes da substância. Os que foram fabricados pela companhia Cutter Labs acidentalmente continham o vírus vivo da doença (em vez de atenuado, como deve ser) e desencadearam um surto.


Mais de 200 mil crianças receberam a vacina da pólio, mas em poucos dias o governo teve que abandonar o programa. “40 mil crianças contraíram poliomielite. Algumas tiveram níveis baixos da doença, algumas centenas delas ficaram com paralisia e cerca de dez morreram”, disse o médico Howard Markel, pediatra, professor e diretor do Centro para a História da Medicina da Universidade de Michigan. 

O governo suspendeu o programa de vacinação até que pudesse determinar o que tinha dado errado.

Problema com macacos

De 1955 a 1963, entre 10% e 30% das vacinas contra a poliomielite estavam contaminadas com o vírus símio 40 (SV40).


“A forma que eles cultivavam o vírus era em tecidos de primatas. Esses macaco-rhesus foram importados da Índia, dezenas de milhares deles”, afirmou o médico antropólogo S. Lochlann Jain. “Eles ficaram enjaulados em grupo e, naquelas condições, os que não morreram na viagem. ficaram doentes, e o vírus se espalhou rapidamente”, explicou.

Os cientistas pensaram erroneamente que o composto químico que usavam mataria o vírus. “Ele estava sendo transferido a milhões de norte-americanos”, afirmou Jain.

Alguns estudos mostraram uma possível ligação entre o vírus e câncer. O site do Centro para o Controle de Doenças dos EUA, porém, disse que a maioria das pesquisa indica que não existe essa possibilidade.

Nenhuma vacina atual contém o vírus SV40, segundo o CDC, e não há evidências de que a contaminação prejudicou alguém.

A epidemia que nunca aconteceu

Em 1976, cientistas previram a pandemia de um novo tipo de influenza chamada gripe suína. Mais de 40 anos depois, alguns historiadores chamaram essa de “a epidemia de gripe que nunca aconteceu”.


“O presidente [Gerald] Ford basicamente foi alertado por seus conselheiros que tínhamos uma pandemia de gripe chegando chamada gripe suína, que poderia ser tão ruim quanto a gripe espanhola”, afirmou Michael Kinch, professor de oncologia de radiação na escola de medicina da Universidade de Washington, em St. Louis. O livro mais recente dele, Between hope and fear (Entre esperança e medo, em tradução livre), explora a história das vacinas.

“Ford estava sendo persuadido a apresentar uma vacina que fosse produzida rapidamente. Quando você tem a situação de um novo tipo de vírus como essa, eles tiveram que fazer isso na hora”, disse Kinch. O então presidente tomou a decisão de tornar a imunização compulsória.

O governo lançou o programa em cerca de 7 meses, e 40 milhões de pessoas foram vacinadas contra a gripe suína, segundo o CDC. A campanha de vacinação foi posteriormente ligada a casos da deficiência neurológica chamada Síndrome de Guillain-Barré, que pode ser desenvolvida após uma infecção ou, mais raramente, depois de vacinação com um vírus vivo.

“Infelizmente, em razão daquela vacina, e do fato de que foi feita tão precipitadamente, houve centenas de casos de Guillain-Barré, apesar de não ser uma certeza que eles estavam ligados”, afirmou Kinch.

O CDC informou que o risco era de aproximadamente 1 caso de Guillain-Barré para cada 100 mil pessoas que receberam a vacina contra a gripe suína. Em razão desta pequena associação, o governo interrompeu o programa para investigar o caso.

“Foi uma espécie de fiasco”, disse Markel. “A boa notícia é que nunca houve uma epidemia de gripe suína. Então estávamos seguros, mas isso mostra o que poderia ter acontecido.”

Descrença nos EUA

Foram necessários vários incidentes para as pessoas começarem a desacreditar nas vacinas. Mesmo após milhares de crianças ficarem doentes com a primeira vacina de poliomielite, em 1955, quando o programa foi reiniciado, os pais fizeram com que seus filhos fossem vacinados. 

Eles tinham na memória lembranças recentes de epidemias que paralisaram entre 13 mil e 20 mil crianças a cada ano. Algumas tiveram casos tão graves de paralisia que não podiam sequer respirar facilmente sozinhas, e dependiam de máquinas chamadas “pulmões de aço” para ajudá-las.

“As famílias estavam correndo para levar os filhos para serem vacinados contra a pólio porque elas tinham visto epidemias em todo o verão por anos, e viram crianças em pulmões de aço, e estavam aterrorizadas”, contou Markel.

Ele disse que o comportamento das pessoas começou a mudar entre 1955 e 1976, ano do problemático projeto de vacinação contra a gripe suína.

“Você tinha direitos civis, quando as pessoas viam na TV os policiais agredindo a população. Você tinha a Guerra do Vietnã, quando as pessoas começaram ficar enojadas com as mortes. Você tinha o Caso Watergate, quando o presidente literalmente mentiu”, disse Markel. “Tudo isso levou a uma real descrença nas autoridades e no governo federal, e se estendeu a médicos e cientistas. E só aumentou com o passar do tempo.”

Decisão ‘idiota’

Markel contou que a falta de confiança das pessoas no sistema faz da ideia da FDA de antecipar o processo das vacinas “completamente idiota”.

“Essa é uma das coisas mais ridículas que eu já ouvi essa gestão dizer”, disse. “Só é preciso um efeito colateral para basicamente estragar um programa de vacinação que precisamos tão desesperadamente. É uma receita para o desastre.”

O comissário da FDA afirmou que a decisão sobre a vacina será baseada em dados, não em política, mas Kinch pensa como Markel.

“Isso pode causar danos substanciais”, declarou Kinch, que está participando de testes para a vacina. Para ele, o processo de testes clínicos precisa chegar ao fim. A liberação muito cedo de uma vacina pode causar um “cenário de pesadelo” por algumas razões.

Primeiro, a vacina pode não ser segura. Segundo, se não for segura, as pessoas perderão a fé nas vacinas. Terceiro, se a vacina não oferecer proteção completa, as pessoas terão uma falsa sensação de segurança e o risco será ainda maior. Quarto, se uma vacina abaixo do padrão conseguir uma aprovação de uso emergencial, uma vacina ainda melhor pode nunca ser aprovada, porque as pessoas ficariam relutantes em participar de testes e contrair um placebo em vez de uma vacina.

“Pessoas vão morrer desnecessariamente se arriscarmos com isso”, afirmou Kinch. “Temos que fazer isso de maneira correta.”

(Texto traduzido, clique aqui e leia o original em inglês.)

Fonte_CNN Brasil / BBC Português

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