O
Programa Nacional de Imunizações (PNI), uma das grandes conquistas da saúde
pública brasileira e uma das maiores iniciativas do mundo no gênero, completa
50 anos nesta segunda-feira (18/9). A Fiocruz, que fornece expressiva parcela
das vacinas utilizadas nas campanhas do PNI, é parte relevante desta história
de êxito desde os primórdios do programa. A Fundação, além da produção de
imunizantes, colabora na formulação de políticas públicas na área, na formação
de profissionais e com o conhecimento de seus especialistas. Para o diretor do
Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), Maurício
Zuma, “o PNI é garantia de vida para a população. As campanhas de vacinação do
PNI diminuíram expressivamente o índice de mortalidade infantil e neonatal e
aumentaram a expectativa de vida dos brasileiros ao ofertar vacinas para
adultos e idosos. O programa pôs o país no mapa do mundo em relação a
imunizações. É uma iniciativa de altíssimo êxito e com imensos resultados
positivos”. E para poder ampliar sua oferta de produtos ao PNI, a Fiocruz está
construindo uma nova fábrica.
O
presidente da Fundação, Mario Moreira, diz que “com o PNI e o Programa Nacional
de Autossuficiência em Imunobiológicos o país desenvolveu uma indústria pública
e nacional, encabeçada pela Fiocruz, que garante a sustentabilidade e a
soberania de todas as estratégias de vacinação da população brasileira”.
Moreira afirma que “a partir do amplo reconhecimento internacional do sucesso
do PNI o Brasil tem sido convocado para um esforço global de tornar o acesso a
vacinas no mundo menos assimétrico, mais justo e democrático. É muito
importante esse chamado e a Fiocruz está engajada nesse esforço mundial, integrando
um hub para a produção de vacina contra a Covid-19 na América Latina”.
De
acordo com Mario Moreira, Brasil tem sido convocado para um esforço global
de tornar o acesso a vacinas no mundo menos assimétrico, mais justo e democrático,
e o PNI e a Fiocruz estão engajados nesse esforço (foto: Peter Ilicciev)
Maurício
Zuma acrescenta que a Fiocruz sempre teve papel importante em todos os
programas do Ministério da Saúde (MS) e já fornecia vacinas, soros e produtos
antes do PNI. “Antes, no entanto, não havia um programa nacional centralizado.
E na Fiocruz a produção era feita em laboratórios diferentes e em escala muito
menor. Bio-Manguinhos foi criado, três anos após a formação do PNI, para dar um
caráter industrial à produção, além de mais efetividade”. O Instituto surgiu
para fortalecer a produção de vacinas e atender às demandas do PNI. Mais tarde,
outras linhas de produtos foram incluídas no portfólio, como os biofármacos e
os kits para diagnóstico.
Linha
do tempo apresenta as parcerias para a produção de vacinas realizadas por
Bio-Manguinhos/Fiocruz (clique na imagem para ampliar)
A
partir do PNI a Fiocruz passou a ter papel cada vez mais crescente no setor.
“Até então a maior parte das vacinas usadas no país, sobretudo pediátricas, era
fornecida por uma empresa privada. Num determinado momento, por conta dos
avanços nas questões regulatórias e devido ao aumento nos custo na produção, a
empresa encerrou as atividades, já que para os seus padrões a rentabilidade não
era boa. Essa situação gerou uma crise e foi um divisor de águas para o país
repensar a natureza da produção de vacinas. Se, até hoje, não há vacina para
todo mundo no planeta, na época era ainda mais grave. E o Brasil ficou sem ter
onde conseguir os imunizantes. Tinha, mas em quantidades que não eram
suficientes. Isso gerou a decisão de investir na produção nacional, em
laboratórios públicos, e Bio-Manguinhos e o Instituto Butantan sobressaíram,
entre outros”, observa Zuma.
Nas
reuniões do MS com representantes de todos os laboratórios públicos eram
decididas questões como que instituição entregaria quais vacinas e que novos
imunizantes deveriam ser incluídos no calendário nacional, para que houvesse
eficiência, mas sem competição. E a Fiocruz passou a ter uma participação
bastante relevante no PNI. “Nós também fizemos treinamento de equipes, controle
de qualidade, por meio do INCQS [Instituto Nacional de Controle de Qualidade em
Saúde da Fiocruz], numa época em que ainda não havia a [Agência Nacional de
Vigilância Sanitária] Anvisa, colaboramos na formulação de políticas públicas,
entre outras áreas. Criamos o maior programa público de imunização e a Fiocruz,
pela sua diversidade científica e tecnológica, teve grande relevância”, avalia
o diretor de Bio-Manguinhos.
Zuma
lembra que a Fiocruz foi fundamental nas grandes emergências sanitárias, como
na campanha de erradicação da varíola, para a qual houve uma mobilização
mundial liderada pela OMS. “A Fiocruz foi um grande ator e participou com
milhões de doses. Depois, na epidemia brasileira de meningite, no início da
década de 1970, o governo federal assinou um contrato com o Instituto Mérieux
para a produção da vacina meningocócica AC aqui no Brasil. Em 1976 a fábrica
montada pelo Instituto francês foi doada para a Fiocruz e operada pelo recém
criado Bio-Manguinhos. Mais tarde houve as campanhas contra a febre amarela, a
pólio, o sarampo e em todas essas ações Bio-Manguinhos teve um papel de
destaque. Chegamos a produzir mais de 70 milhões de vacinas contra a febre
amarela em um mesmo ano”. Bio-Manguinhos evoluiu de um conjunto de pequenos
laboratórios de febre tifoide, cólera, meningite e febre amarela, projetados
para pesquisa, para um complexo industrial e tecnológico de imunobiológicos que
é hoje um dos mais importantes da América Latina.
Produção
de vacina na Fiocruz em 1943 (foto: Bio-Manguinhos/Fiocruz)
Zuma
comenta que a Fiocruz tem comprometimento total com o PNI e trabalha
intensamente para que o programa consiga pôr em prática suas políticas e ter
resultados cada vez mais consistentes e consolidados. “O nosso objetivo é que o
PNI seja, cada vez mais, uma referência para o mundo. Apesar de ser apontado
pela OMS como o programa de imunização mais exitoso do planeta, ainda falta
mais reconhecimento por parte de outros países”.
Ele
sublinha que é importante manter o caráter público para que não volte a haver o
problema do passado, como o da empresa que descontinuou a produção de vacinas
no país. “Temos um compromisso com o SUS, com o PNI e com a saúde da população,
em especial na produção daqueles produtos que o mercado não tem interesse em
oferecer”.
Em
2022, o Instituto entregou mais de 120 milhões de doses para o PNI. E em 2021
foram mais de 200 milhões, por conta da pandemia de Covid-19. Bio-Manguinhos
produz as vacinas DTP e Hib, febre amarela, haemophilus influenzae B, meningite
A e C, pneumocócica 10-valente, Covid-19 (recombinante), poliomielite
inativada, poliomielite oral, rotavírus humano, tetravalente viral, tríplice
viral (sarampo, caxumba e rubéola) e sarampo e rubéola (atenuada). E, além do
PNI, outros 70 países recebem vacinas produzidas na Fiocruz, por meio do
fornecimento a organismos internacionais como a Opas, o Fundo das Nações Unidas
para a Infância e a Aliança Internacional para Vacinas e Imunização (Gavi). As
mais exportadas são a vacina contra a febre amarela e os imunizantes contra a
doença meningocócica. Apesar de Bio-Manguinhos estar se preparando para
exportar outras vacinas, vale lembrar que apenas a produção excedente é exportada,
devido à priorização do mercado nacional.
Zuma diz que o próximo passo é trabalhar não por reação, como nas grandes emergências sanitárias, mas com prospecção e se preparar para pandemias que possivelmente surgirão. “Bio-Manguinhos participa de iniciativas mundiais para escolher alvos e começar a desenvolver novas vacinas. A OMS definirá os alvos, sobretudo vírus que podem surpreender. Também temos discussões com a Universidade de Oxford e com a Opas a respeito de novas vacinas”.
Segundo
o diretor, essas instituições percebem em Bio-Manguinhos um grande potencial.
“E não só para abastecer o Brasil, mas o mundo. Não podemos mais ter uma
situação em que os países ricos pegam todas as vacinas e os pobres ficam sem. A
preparação para futuras pandemias exige produtos na prateleira, com vacina
desenvolvida pelo menos na fase 2, com segurança e imunogenicidade comprovadas
para serem colocadas em produção e usadas”.
Zuma
adianta que novos produtos virão. Bio-Manguinhos contribui com estudos
clínicos, como o que está sendo validado sobre a vacina de febre amarela. “O
PNI nos encomendou um estudo sobre a vacina de sarampo durante o recente
aumento do número de casos no país. São ações e pesquisas que subsidiam
decisões do PNI. Estamos contribuindo com novas tecnologias de diagnóstico para
consolidar um sistema de vigilância mais moderno no MS, o que não é PNI, mas
contribui para o PNI”.
Para
esses novos projetos, e para a consequente oferta de mais e melhores produtos
ao PNI, Bio-Manguinhos está construindo o Complexo Industrial de Biotecnologia
em Saúde (Cibs), em Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, visando
aumentar a produção e conseguir autossuficiência em imunizantes. “É importante
que o PNI tenha rapidamente disponíveis as suas vacinas de grandes demandas,
com uma formatação mais econômica. Com Santa Cruz teremos uma capacidade bem
maior e ofereceremos as vacinas em outras apresentações. Teremos mais
capacidade, com produtos mais customizados, o que permitirá mais escolhas ao
PNI e melhor adequação às necessidades do campo”. O empreendimento, em um terreno
de 580 mil metros quadrados, possibilitará quadruplicar a capacidade de
processamento final de vacinas e biofármacos. A nova fábrica também permitirá
que as exportações sejam ampliadas.
O
Complexo Industrial de Biotecnologia em Saúde (Cibs), em Santa Cruz, na Zona
Oeste do Rio de Janeiro, visa aumentar a produção e conseguir autossuficiência
em imunizantes (imagem: Divulgação)
O
Cibs contará com plataformas que aumentarão o poderio de dar respostas e com
produção em maior escala. Zuma diz que uma das vacinas que está no radar de
Bio-Manguinhos, para futura produção, é o imunizante do vírus sincicial
respiratório (VSR). “É um produto de suma importância, já que muitas crianças
têm sido acometidas e o MS está interessado. Também buscamos outras vacinas,
como para resistência antimicrobiana e zika e ainda vacinas que já produzimos e
que passaremos a fabricar usando novas tecnologias. Estamos discutindo uma
parceria com o Instituto Butantan, o que fortaleceria bastante o PNI. E há,
claro, um grande interesse do PNI que os dois maiores produtores da América
Latina trabalhem juntos. Seria um presente ao PNI”, afirma o diretor.
Zuma
ressalta que a transferência de tecnologia, que está na origem de
Bio-Manguinhos, e ocorre até hoje, não é só cópia. “Aprendemos a inovar e
desenvolver, porque o acesso a novos processos e produtos cria novas
capacidades. Não existe transferência de tecnologia sem inovação. Quem está
cedendo a tecnologia não tem o mesmo ambiente de quem está recebendo, sempre há
diferenças e adaptações. O que gera inovação. No caso da vacina contra a
Covid-19, nossa parceria com a AstraZeneca provou isso. Quando ainda estávamos
discutindo a transferência da vacina verificamos que alguns equipamentos não se
encontravam disponíveis no mercado no mundo. Precisamos inovar e usar outros
equipamentos e mostramos à AstraZeneca que era possível fazer de outra forma,
com o conhecimento que já dispúnhamos. A formulação, por exemplo. Era feita em
grandes containers. Usamos os nossos tanques que eram utilizados para outras
vacinas e adaptamos com êxito. A apresentação também. Originalmente era em 10
doses. Passamos a fazer em 5 doses e provamos que era possível, técnica e
cientificamente. Desenhamos conexões específicas junto com o fabricante e a
AstraZeneca. Foi um aprendizado que deixa lições. A AstraZeneca só trabalhou assim
com a Fiocruz e por isso conta conosco para futuras parcerias, reconhecendo
nossa capacidade. E tudo isso, claro, significa ganhos para o PNI”.
Apesar
dos êxitos, Zuma adverte que há um grande desafio para o PNI: a queda nos
índices de vacinação nos últimos anos, o que lança alertas de que algumas
doenças controladas ou eliminadas no Brasil possam retornar. O negacionismo
científico e as fake news sobre vacinas, que abundam na internet, são algumas
das causas dessa diminuição na cobertura vacinal, necessária à imunidade
coletiva. De acordo com o diretor, “retomar as altas coberturas vacinais é
evitar óbitos decorrentes de doenças para as quais já existem vacinas, como
ocorreu nos últimos anos com a febre amarela e o sarampo. É otimizar o
atendimento hospitalar, liberando leitos. É dar previsibilidade à demanda por
vacinas, garantindo o abastecimento necessário ao PNI”. O programa, ao longo de
suas cinco décadas, foi responsável pela erradicação da varíola, a eliminação
da poliomielite, da rubéola, da síndrome da rubéola congênita e do sarampo.
O
assessor científico sênior de Bio-Manguinhos e coordenador do projeto Pela
Reconquista das Altas Coberturas Vacinais, Akira Homma, afirma que, “apesar das
conquistas, ou por causa delas, somos vítimas do nosso sucesso, já que muitos
se esqueceram ou não sabem como era não ter vacinas que evitam doenças e salvam
vidas. Estamos ouvindo os profissionais que estão na ponta para reconquistarmos
esses altos índices e informar da importância da prevenção pela população”.
Homma, que foi presidente da Fiocruz e diretor de Bio-Manguinhos, diz que é preciso conscientizar as pessoas da necessidade de protegerem a si próprios e também as famílias e as comunidades. “Na década de 1970 a idade média de vida do brasileiro era de 45 anos. Com a vacinação e milhões de vidas salvas, essa média subiu para 75. Já foi de 77, mas caiu por causa da Covid-19. As vacinas aumentaram a qualidade e a expectativa de vida das pessoas e isso precisa ser sempre enfatizado. Todo cidadão deve ser responsável por levar essa informação adiante”.
O
assessor conta que a relação da Fiocruz com o PNI foi sempre tão próxima que a
primeira central de armazenamento de vacinas do PNI ficava na Fundação. E na
década de 1990 a Fiocruz centralizava as compras do PNI. “Poucos sabem disso. A
Fiocruz participou diretamente e por isso ocupava esses papéis essenciais”.
Homma,
que está na Fiocruz desde 1968, reforça que a Fiocruz está seguindo uma missão
deixada pelo patrono Oswaldo Cruz, que foi a de desenvolver soros e vacinas
para proteção contra pandemias e epidemias. “Oswaldo Cruz, no início do século
20, deixou clara a importância da vacinação para a prevenção de doenças. O
Instituto Soroterápico Federal [embrião da atual Fiocruz] foi criado para
combater a peste, a febre amarela e a varíola no Rio de Janeiro”.
Com
as campanhas de Oswaldo Cruz houve uma primeira grande conquista, com a
vacinação em massa contra a varíola. À medida que os resultados positivos da
imunização apareceram, como a diminuição da transmissão e do número de mortes
associadas, a população passou a confiar mais nas vacinas. Em 1903, quando
Oswaldo Cruz assumiu o cargo de diretor-geral de Saúde Pública, época em que
não havia o Ministério da Saúde, criado em 1953, ele teve que lidar com duas
grandes epidemias: a da febre amarela e a da varíola.
Homma
afirma que “o Brasil é um dos poucos países em desenvolvimento que tem
capacitação e competência científica e tecnológica, além de capacidade
industrial e de produção para oferecer as vacinas que sua população necessita.
Uma capacidade que atualmente está no limite, por isso a construção do Cibs,
para dar mais segurança na oferta ao PNI”.
Considerado
um dos maiores especialistas do mundo em vacinas, Homma diz que o Brasil tem
que investir muito mais. “Precisa investir mais em ciência, em pesquisa básica,
em tecnologia, em startups. Temos que desenvolver vacina contra HIV, malária,
VSR, contra doenças entéricas. Precisamos desenvolver novas vacinas, com vários
antígenos juntos, para diminuir as injeções. São grandes desafios. Novas
tecnologias surgem, como as vacinas recombinantes, as quiméricas, as de RNA
mensageiro. Precisamos avançar para obtermos adjuvantes melhores, que permitam
uma proteção maior e uma imunidade mais duradoura, sem reações adversas. Com
menos injeções e mais proteção contra mais doenças. Todas essas tecnologias, um
dia, servirão ao PNI”.
O
projeto Pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais criou uma rede de
colaboração interinstitucional, envolvendo atores nacionais e internacionais
dos setores governamental, não governamental e privado, em torno da melhoria da
cobertura vacinal. Estão sendo implementadas ações de apoio estratégico ao PNI
para reverter a trajetória de queda nas coberturas vacinais dos Calendários
Nacionais de Vacinação – da Criança, do Adolescente, do Adulto e ldoso, da
Gestante e dos Povos Indígenas e, assim, assegurar o controle de doenças
imunopreveníveis como o sarampo, a poliomielite, a gripe, o câncer de colo do
útero, meningites e todas as outras cujas vacinas são disponibilizadas
gratuitamente para a população, nos postos de saúde.
O projeto
é organizado em três eixos temáticos com atuação compartilhada e ações
específicas: vacinação; sistemas de informação; comunicação e educação. A
iniciativa é coordenada por Bio-Manguinhos, em parceria com o Departamento de
Imunização e Doenças Imunopreveníveis do Ministério da Saúde e a Sociedade
Brasileira de Imunizações (SBIm).
Fonte_FIOCRUZ
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