Larvas
de besouro do gênero Dermestes (conservação em via úmida)
Quem
é fã de histórias de investigação criminal já deve ter ouvido falar em análise
de DNA, necrópsias ou exames toxicológicos. Mas no universo do true
crime, existem pequenos protagonistas pouco mencionados e de extrema
importância para solucionar crimes: os insetos.
Na
entomologia, ciência que estuda os insetos, há uma área dedicada exclusivamente
à pesquisa das espécies que se alimentam de cadáveres, conhecida
como entomologia forense médico-legal. Desse grupo fazem parte as moscas (Ordem
Diptera) e os besouros (Ordem Coleoptera), que são mais
comumente encontrados nos corpos em estado de decomposição. Mas formigas (Ordem
Hymenoptera) e baratas (Ordem Blattaria) também podem aparecer, especialmente
em ambientes urbanos.
No
contexto investigativo, os insetos cadavéricos podem ajudar a
determinar desde o intervalo de morte até se o corpo foi movido ou se houve
consumo de substâncias ilícitas. Para isso, os especialistas observam o
estágio evolutivo das larvas; se são espécies urbanas, rurais ou aquáticas; ou
examinam seu conteúdo estomacal, por exemplo, em busca de evidências de
substâncias que possam ajudar a esclarecer a causa do óbito. Também é possível
extrair DNA humano do trato digestivo das larvas, a fim de identificar a vítima
ou o suspeito.
“Após
a morte, o corpo libera fluidos que atraem os insetos em poucas horas. A
colonização começa por orifícios, como a região dos olhos, ouvidos e boca, ou
regiões lesionadas, onde os insetos adultos depositam seus ovos, para que as
larvas possam crescer e se alimentar”, explica a bióloga Beatriz dos Reis, que
estuda entomologia forense e acaba de concluir a Especialização em Animais de
Interesse em Saúde no Laboratório de Coleções Zoológicas do Instituto
Butantan.
Segundo
Beatriz, o conhecimento dos insetos de importância forense é útil até em casos
em que o corpo encontrado já está em estágio avançado de decomposição, quando
não é possível fazer análises conclusivas somente observando o organismo.
“Apenas observar as características do corpo nem sempre traz resultados precisos, já que o tempo de decomposição também varia de acordo com a temperatura e umidade do local ou com os hábitos que a pessoa teve em vida, como consumo de álcool ou de certos medicamentos”, completa a bióloga.
Gêneros
Hermetia (larva de mosca), Dermestes (larva de besouro) e Dermestes (besouro
adulto) conservados em via úmida
Os
insetos respondem
Uma
das principais aplicações da entomologia forense é a determinação do intervalo
de morte. Dependendo do estágio evolutivo das larvas encontradas no corpo, é
possível estimar há quantas horas ocorreu o óbito. Esse foi um fator
determinante, por exemplo, durante a investigação da morte de Juliana Marins,
brasileira de 26 anos que se acidentou na trilha no Monte Rinjani, na
Indonésia, em junho deste ano. “A análise conduzida por legistas e peritos do
Rio de Janeiro mostrou que Juliana sobreviveu por até 32 horas após a queda”,
lembra Beatriz dos Reis.
Durante
sua especialização no Instituto Butantan, a bióloga conduziu um projeto
de pesquisa pioneiro no estado de São Paulo, em parceria com o Núcleo de
Antropologia Forense do Instituto Médico Legal (IML) Central do estado. Ela fez
um levantamento dos insetos encontrados em cadáveres humanos em estágio
avançado de decomposição – a maioria das pesquisas coleta os artrópodes em
carcaças de animais.
“Foi
possível coletar espécies diversas provenientes de quatro municípios do estado
de São Paulo, que foram identificadas e organizadas conforme o estágio de vida.
Ao todo, foram coletados 349 exemplares”, conta Beatriz.
O trabalho rendeu à Coleção Entomológica do Butantan os primeiros exemplares de insetos de importância forense. Ter esses animais catalogados em coleções zoológicas é fundamental para ampliar o conhecimento na área e auxiliar os peritos na correta identificação das espécies e dos seus estágios de desenvolvimento.
Exemplares
adultos de moscas das famílias Sarcophagidae e Calliphoridae (via seca)
Quebrando
o tabu
Embora
os primeiros trabalhos publicados sobre entomologia forense datem do final do
século XIX, a área só começou a tomar forma no começo dos anos 2000 – e ainda
há muitas lacunas a serem preenchidas.
Para
a bióloga e técnica do laboratório de Coleções Zoológicas – Coleção
Entomológica do Butantan, Natália Khatourian, existe um tabu que deve ser
superado para fomentar essas pesquisas. “As pessoas não imaginam que uma
mosca pode ajudar a descobrir a causa de uma morte. Os insetos formam o
maior grupo de animais que conhecemos, e ainda há muitas espécies a se
descobrir e estudar. Tudo tem um porquê, tudo tem uma função e uma importância
na natureza. A entomologia forense é uma ciência e precisa de incentivo”,
afirma.
O tema, apesar de visto como “mórbido” por algumas pessoas, é tratado com naturalidade por Beatriz, que cresceu em contato direto com a natureza por incentivo do avô e guarda uma coleção de ossos de pequenos animais desde a infância. “Esses insetos fazem a ciclagem do meio ambiente. É uma matéria que está se renovando, e que vai alimentar outra vida e voltar ao ponto de origem. Isso, para mim, é incrível. É o movimento da vida.”
Várias
pupas (vazias) de mosca do gênero Chrysomya
Fonte _ Butantan




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