Um soro contra o
envenenamento causado pela picada de abelha africanizada (Apis mellifera), popularmente chamada de “abelha
assassina”, desenvolvido pelo Instituto Butantan, Universidade Estadual de São
Paulo (UNESP) de Botucatu e Instituto Vital Brazil, deve entrar na fase 3 de
ensaios clínicos em 2023. O produto é patenteado e obteve resultados
promissores nas fases 1 e 2 dos estudos clínicos, divulgados na revista Frontiers in Immunology.
Anualmente, o Brasil registra cerca de 20 mil acidentes com abelhas e 50
óbitos.
Segundo o
pesquisador Daniel Pimenta, do Laboratório de Bioquímica do Butantan, um dos
detentores da patente, o medicamento é destinado a pessoas que levam múltiplas
picadas de abelha – ou seja, recebem uma grande quantidade de veneno. As
toxinas podem causar hemorragias, queda de pressão, tontura, náuseas e
taquicardia. “O principal alvo do veneno da abelha é o rim: o paciente pode ter
falência renal e morrer. O soro antiapílico age neutralizando o
veneno”, explica.
Para pessoas que
têm casos graves de alergia, uma única picada de abelha pode desencadear choque
anafilático. Esses pacientes costumam ser tratados com anti-histamínicos e
anti-inflamatórios.
Mas o efeito tóxico do veneno só ocorre a partir de dezenas de picadas, quando
o indivíduo é atacado por um enxame. São nesses casos que o soro será aplicado.
O estudo clínico de fase 1 e 2 contou com 20 voluntários adultos, com idade média de 44 anos. O número de picadas variou de sete a 2 mil. Não foi observado nenhum efeito adverso grave e todos os pacientes tiveram melhora. A pesquisa foi conduzida no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da UNESP-Botucatu e no Hospital Nossa Senhora da Conceição, em Tubarão (SC).
Hoje, os
pesquisadores estão desenhando o protocolo da fase 3, que deve durar cinco
anos, para submetê-lo à aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa).
Da caracterização
do veneno à produção do soro
A ideia de
produzir um soro para o envenenamento por abelhas surgiu no Butantan há mais de
10 anos, com Daniel Pimenta e o pós-doutorando Rui Seabra, que hoje é
pesquisador do Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos (CEVAP) da
UNESP de Botucatu. O primeiro passo foi fazer a caracterização bioquímica do
veneno para entender a sua composição. Depois, começou-se a pensar na
viabilização da produção do soro.
Tradicionalmente,
os soros hiperimunes são produzidos em cavalos, a partir da inoculação de uma
pequena quantidade de veneno de um animal peçonhento. Depois, ocorre a coleta e
purificação do plasma, que contém os anticorpos produzidos pelo equino. “No entanto,
no caso do veneno da abelha, os cavalos podiam ter reação alérgica e choque
anafilático. A solução que encontramos para isso foi remover, em laboratório,
todas as substâncias alérgenas da toxina”, aponta Daniel.
Foi essa
estratégia que tornou possível a produção do soro nos cavalos. Os primeiros
lotes foram desenvolvidos na UNESP de Botucatu, e a produção em maiores
quantidades foi feita no Instituto Vital Brazil, em Niterói (RJ). Se aprovado
pela Anvisa, o soro também poderá ser produzido no Butantan. O objetivo é que o
medicamento seja disponibilizado futuramente no Sistema Único de Saúde (SUS),
assim como os demais soros hiperimunes produzidos pelo instituto.
Abelhas
africanizadas
As abelhas
africanizadas são resultado do cruzamento da abelha-africana (Apis mellifera scutellata) com a espécie europeia A. mellifera ligustica, introduzida na América na década de
1950. O objetivo era criar abelhas adaptadas ao clima tropical para a produção
de mel. A principal característica da abelha africanizada é a “agressividade”
(comportamento defensivo), além da grande facilidade de formar enxames, alta
produtividade e tolerância a doenças.
Devido a essas
características, as abelhas africanizadas começaram a substituir as nativas e
foram migrando pelo continente, até chegarem aos Estados Unidos nos anos 2000.
“Elas se adaptaram muito bem ao ambiente urbano, o que fez com que a frequência
de acidentes aumentasse. Quando elas decidem migrar, vai a colmeia inteira, e
elas atacam quem estiver no caminho caso se sintam ameaçadas”, diz Daniel.
As regiões
brasileiras com maior incidência de acidentes são o Sul e Nordeste, mas as
maiores taxas de letalidade ocorrem no Centro-Oeste e Norte, em zonas com maior
dificuldade de acesso a atendimento médico. Segundo informações do Ministério da Saúde, cerca de 100
mil acidentes foram registrados nos últimos cinco anos. A maioria dos casos
ocorre de outubro a março, na zona urbana, com homens de 20 a 64 anos, e os
óbitos são mais frequentes em pessoas acima dos 40.
Saiba como evitar
acidentes por abelhas
Fonte_BUTANTAN
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