Assim
como em uma cozinha profissional, em que cada movimento precisa ser
cuidadosamente cronometrado para que um prato seja servido de maneira perfeita,
a produção da vacina da gripe do Butantan exige
precisão e sincronia para chegar no tempo certo ao braço dos brasileiros.
Esse
ritmo se intensifica no final de setembro, quando a Organização Mundial da
Saúde (OMS) anuncia as três cepas que deverão compor o imunizante da temporada
seguinte no hemisfério Sul, após uma análise detalhada dos tipos de vírus
influenza que estão em circulação na região e que apresentam maior potencial de
agravo.
Caso
alguma dessas cepas (uma versão do vírus modificada em laboratório para
produção segura da vacina) não esteja disponível no estoque do Instituto,
dezenas de profissionais passam a trabalhar de forma coordenada para garantir
que, em cerca de 48 horas, o material esteja devidamente autorizado a seguir
viagem, rumo à instituição.
Parte
dessa engrenagem começa a girar antes mesmo do anúncio oficial da agência, com
a montagem da programação das entregas dos ovos especiais, livres de patógenos,
que vão servir de base para a multiplicação das cepas indicadas para compor o
imunizante. Mas é no instante em que a OMS divulga suas recomendações que
começa uma verdadeira corrida contra o tempo.
A
seguir, conheça os momentos decisivos dessa jornada sem margem para falhas,
essencial para a produção anual das mais de 80 milhões de doses de vacina da
gripe que são distribuídas anualmente pelo governo federal à população
brasileira. Confira:
Anúncio
e primeiros momentos após atualização: alerta máximo
A
reunião da OMS para divulgação das novas cepas acontece de forma híbrida –
presencial e remota –, com todos os produtores da vacina de influenza do
hemisfério Sul.
“Nesse
dia, o clima aqui no Butantan fica bem parecido com uma final de Copa do Mundo.
Nós, da produção, assistimos tudo ao vivo para acompanhar as orientações e
repassar, o mais rápido possível, informações cruciais às outras áreas
envolvidas no processo”, afirma a gerente da Produção de Bancos de Influenza
(PBI) do Butantan Priscila Comone.
Durante
a reunião, a equipe técnica da produção decide com qual das cepas anunciadas,
disponível em estoque, que iniciará o desenvolvimento da vacina da gripe. Além
disso, é preciso identificar quais laboratórios internacionais disponibilizam a
possível cepa “inédita”. Tudo é passado praticamente em tempo real para a área
de Compras do Butantan, que já inicia os primeiros contatos com os responsáveis
pelo envio do material biológico.
“Como
não podemos depender de apenas um fornecedor, pois qualquer problema poderia
colocar nossa produção em xeque, a estratégia é acionar e importar as cepas de
todos os que tenham o material. Geralmente, tratamos com dois laboratórios
diferentes”, explica a gerente de Compras e Licitações do Butantan, Luciane
Vieira de Jesus.
1 hora pós-anúncio: abertura do controle de mudança
Imediatamente
após a finalização da reunião com a OMS, uma força-tarefa é iniciada para a
abertura e aprovação do chamado Controle de Mudança (CM), um protocolo interno
do Butantan que formaliza a necessidade de alteração da vacina e a importação
de uma nova cepa do vírus influenza. Essa etapa é crucial para sinalizar todas
as áreas que serão impactadas por essa atualização e garantir o atendimento das
Boas Práticas de Fabricação.
O
processo desencadeia uma série de aprovações em cascata, envolvendo cerca de
dez áreas da instituição. Em situações comuns, a tramitação entre a abertura e
a validação dessa mudança pode levar vários dias. Mas, por se tratar de um
procedimento emergencial, as áreas impactadas são avisadas com uma semana de
antecedência sobre a alteração que será registrada no sistema no dia da reunião
da OMS.
A
tensão é constante, pois qualquer pendência ou demora pode atrasar uma
sequência de tarefas que só podem ser executadas depois que o Controle de
Mudança estiver devidamente aprovado, como a solicitação de compra e importação
da cepa.
7
horas pós-anúncio da OMS: o pedido formal
O CM
é completamente aprovado cerca de seis horas após a abertura no sistema. Em
seguida, o próximo passo é gerar a identificação no sistema para a cepa
atualizada. “Para não perdermos tempo, adotamos uma ação de guerra: nos
fechamos em uma sala e só saímos de lá depois de ter o cadastro concluído. A
cada nova etapa vencida, ligamos para o colaborador responsável em dar o
próximo aval, para que o processo não fique travado em ninguém”, afirma o
coordenador do PBI, Hugo Jemesom.
Isso
é importante para que a nova cepa passe a “existir”, de fato, nos sistemas do
Butantan, permitindo assim que solicitações relacionadas a ela sejam feitas –
como o pedido de importação do material, que é consolidado pela área de
Planejamento e Controle de Produção (PCP) do Butantan.
24
horas pós-anúncio da OMS: negociações com os laboratórios
Ainda
que a área de Compras já tenha entrado em contato paralelamente com os
fornecedores para entender a disponibilidade da cepa, é preciso receber uma
requisição “oficial” da área de PCP para dar sequência ao processo.
Nesta
fase, os laboratórios precisam enviar dois documentos para a equipe de Compras
do Butantan: o invoice, tipo de nota fiscal com o descritivo do
material a ser fornecido; e o packing, com informações da embalagem
na qual a cepa será despachada, como dimensão, peso e temperatura. Um detalhe:
o material precisa viajar a uma temperatura média de -60 °C e, por isso, deve
estar envolto em gelo seco.
“O
problema dessa etapa é que nem sempre os fornecedores são ágeis e a resposta
pode demorar bem mais do que gostaríamos”, reforça Luciane Vieira de Jesus.
Quando isso acontece, a equipe de Compras entra em ação novamente para
pressionar os fornecedores em diversas frentes, seja por e-mail, telefone ou
WhatsApp.
48
horas pós-anúncio da OMS: importação aprovada
Uma
vez que esses documentos são enviados pelo fornecedor, a logística de
transporte da cepa fica a cargo da área de Comércio Exterior do Butantan, que
também é responsável pela obtenção da chamada Licença de Importação – documento
eletrônico que autoriza a entrada de mercadorias controladas no país,
garantindo o atendimento às normas de segurança e qualidade.
Com
a licença em mãos, Comércio Exterior e Compras passam a realizar
acompanhamentos diários junto ao fornecedor. O objetivo é entender quando o
material será enviado, estimando a previsão de chegada na fábrica de vacinas do
Butantan.
Uma
semana pós-anúncio: embarque liberado
O
transporte da cepa é outro momento de tensão. Antes do embarque, é realizada
uma verificação completa de toda a documentação, com o objetivo de minimizar
possíveis contratempos. E, apesar do volume ser pequeno – são despachadas
apenas duas ampolas, contendo 1 ml do produto cada uma –, a carga precisa
viajar com monitoramento constante de temperatura. Para isso, inclui-se na
remessa um pequeno dispositivo chamado data logger, capaz de
registrar minuto a minuto a variação de temperatura.
“São
muitas decisões estratégicas. Não podemos deixar a cepa embarcar em um voo com
chegada ao Brasil na sexta, por exemplo. Caso contrário, corremos o risco de
não ter uma equipe disponível no aeroporto para fazer a reposição do gelo seco,
comprometendo assim a integridade do material”, pontua a analista de Comércio
Exterior Katia Rejane Ferreira.
Última
perna: da alfândega ao ultrafreezer do Butantan
Assim
que o voo com a cepa aterrissa no Brasil, começa de imediato o processo de
desembaraço e liberação da carga. O processo é conduzido com prioridade máxima
e rapidez para reduzir ao mínimo o tempo de permanência no aeroporto,
garantindo que o material mantenha sua integridade e qualidade até ser
transportado para o destino final.
Após
a autorização da Receita Federal, finalmente a cepa importada está liberada
para iniciar o último trecho da viagem até o Butantan. Em terra, o transporte
acontece em carro refrigerado. Apesar de uma parte da ansiedade terminar quando
o material é finalmente liberado no aeroporto, a chegada da cepa às
dependências do Instituto também representa um momento decisivo para a
produção.
Antes
de ser entregue ao PBI, onde a nova cepa será inspecionada e, por fim,
acondicionada em um ultrafreezer, a cepa acaba passando por outras áreas, como
os setores de Recebimento e Estoque. “Quando o carro está a caminho, já
deixamos todos os envolvidos na operação em alerta. É receber, conferir e
despachar. Não podemos bobear, pois estamos lidando com o coração da vacina da
gripe”, observa a também analista de Comércio Exterior Karin Yuri Kawazu.
Para
se ter uma ideia da agilidade desse processo, em 2024, a cepa chegou ao
Instituto Butantan apenas 15 dias após o anúncio da OMS – graças às ações
coordenadas e eficientes das diversas áreas envolvidas na operação. Um tempo
curto e intenso, que garante meses de trabalho na fábrica da vacina da gripe do
Butantan, além de reforçar a proteção da população brasileira contra a doença
por mais um ano inteiro.
Fonte _ Butantan

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