O
SARS-CoV-2, vírus que provoca a Covid-19, não é o primeiro vírus a causar uma
pandemia. Em 2003, o SARS-CoV-1 (um vírus mais letal, causador da Síndrome
Respiratória Aguda por Coronavírus 1) se espalhou por 26 países, em uma
pandemia que durou nove meses. Já em 2012, outro coronavírus conhecido como
MERS-CoV (responsável pela Síndrome Respiratória do Oriente Médio) atingiu 27 países.
Mesmo sem vacina, as doenças foram controladas rapidamente. Por que isso não
aconteceu com a Covid-19 e o vírus continua mutando e infectando vacinados e
não vacinados?
Embora
sejam da mesma família (Coronaviridae), os três vírus são muito diferentes. Os
coronavírus anteriores causavam doenças muito mais graves, que eram facilmente
diagnosticadas, permitindo um isolamento mais eficiente dos infectados e
ajudando na contenção do vírus. No caso do SARS-CoV-2, como muitas pessoas
ficam assintomáticas, o vírus teve mais vantagens para se disseminar sem ser
percebido.
Outra
característica importante dos vírus são os receptores que eles usam para
infectar as células. O vírus influenza, por exemplo, que causa a gripe,
reconhece o receptor ácido siálico, encontrado em células da mucosa (boca e
nariz), traqueia, brônquios, bronquíolos e pulmão. Por isso, ele causa uma
infecção exclusivamente respiratória, que em casos graves pode invadir o pulmão
e evoluir para uma pneumonia.
O
SARS-CoV-2 é diferente: ele reconhece o receptor ACE-2, que é uma proteína
presente não só nas vias respiratórias, mas também no tecido endotelial que
reveste as veias, e nas células do coração, do rim e do fígado. Assim, ele tem
potencial para se espalhar para todo o corpo e causar uma infecção
sistêmica. “Essa infecção induz uma grande quantidade de anticorpos e citocinas
que combatem o vírus. Mas a resposta intensa acaba causando uma inflamação,
gerando uma doença inflamatória sistêmica”, afirma o virologista Edison
Durigon, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo
(ICB-USP).
Além
disso, o coronavírus tem alta capacidade de mutação, assim como o vírus
influenza. No caso da gripe, a solução encontrada para combater essa
característica é atualizar a vacina com as cepas mais circulantes, trabalho
feito anualmente pelo Instituto Butantan seguindo o acompanhamento das
variantes do influenza realizado pela Organização Mundial da Saúde. Para o
SARS-CoV-2, ainda não há uma vacina disponível que seja específica contra as variantes,
mas a farmacêutica chinesa Sinovac está trabalhando em uma versão da CoronaVac
contra a ômicron, que já se encontra em ensaios clínicos.
Por
que vacinados ainda se infectam
De
acordo com o virologista Edison Durigon, todas as vacinas que conhecemos
protegem da manifestação da doença, mas não protegem da infecção – isso vale
até mesmo para imunizantes como sarampo ou poliomielite, recebidos na infância.
“Nós temos a falsa impressão de que a vacina protege contra a infecção porque
não pegamos essas doenças. Mas se eu entrar em contato com o vírus do sarampo,
por exemplo, eu posso ser infectado. A diferença é que, por estar vacinado, o
sistema imune reconhece e começa a combater o patógeno rapidamente, antes da
doença se desenvolver.”
Como
a doença do sarampo pode levar até 14 dias para se instalar, o vírus é
eliminado antes mesmo de causar algum sintoma. O mesmo acontece com o vírus da
poliomielite, por exemplo. Ele se instala e se multiplica no intestino, em um
processo que leva cerca de 10 dias. Portanto, a criança vacinada que for
infectada tem tempo de eliminar o vírus antes de desenvolver a doença. No caso
do SARS-CoV-2, os sintomas começam em até 2 dias, por isso ainda vemos casos
sintomáticos da doença em vacinados – mas que dificilmente evoluem para quadros
graves.
Diferença
na resposta de vacinados e não vacinados
A
infecção sistêmica pelo SARS-CoV-2 não acontece em pessoas imunizadas porque os
anticorpos não deixam o vírus chegar ao pulmão e ao endotélio. “A diferença
entre vacinados e não vacinados está no tempo de resposta. O coronavírus leva
de 3 a 4 dias para alcançar o pulmão. Nesse tempo, o indivíduo vacinado já
produziu anticorpos para barrar a infecção, devido à memória imunológica
induzida pela vacina”, explica Edison.
O
sistema imune do não vacinado, por outro lado, não reconhece o patógeno de
imediato, levando de 7 a 10 dias para produzir anticorpos. Nesse tempo, o vírus
já atingiu o pulmão e pode cair na circulação, aumentando as chances de
desenvolver uma doença mais grave.
O
cientista ressalta que os imunizantes cumpriram o seu papel em reduzir a
mortalidade e os casos críticos. “Na primeira onda da variante ômicron, a mais
recente, 90% dos óbitos foram de pessoas não vacinadas. As vacinas foram muito
importantes. Sem elas, nós teríamos hoje três vezes mais mortes do que
tivemos.”
Fonte_BUTANTAN
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