As
três últimas décadas de estudos sobre obesidade mostram
que emagrecer em uma sociedade como a nossa, pouco ativa e com fácil acesso a
alimentos para parte da população, deve ser cada vez mais difícil para quem
atingiu marcas de sobrepeso ou já está em um quadro de comorbidade. Por essa
razão, a
liberação de medicações como o Wegovy, recém-aprovado
pela Anvisa, tem sido comemorada por especialistas, que alertam
para o uso consciente desse tipo de produto.
O
medicamento traz uma nova perspectiva para quem vive uma luta crônica contra a
balança e não deve ser usado por quem tem peso normal ou para atingir padrões
estéticos.
Paulo
Augusto Carvalho Miranda, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia
e Metabologia (SBEM), reforça que a obesidade precisa ser vista como uma
doença, e crônica. O avanço
no tratamento dela, aliás, está ligado à pesquisa de redução dos danos
cardiovasculares na população gerados pelo crescente ganho de peso dos últimos
anos.
Diferentemente
dos medicamentos para emagrecer dos anos 1990, lançados no mercado sem testes
de longo prazo e com pouco
ou nenhum resultado duradouro, esta nova geração promete perdas
significativas e mais segurança.
Saem
de cena as anfetaminas e inibidores de apetite e entram as medicações nas quais
emagrecer é só um dos benefícios, uma vez que o objetivo inicial é tratar diabetes,
hipertensão, colesterol alto, entre outros fatores que ajudam a reduzir doenças
cardiovasculares.
Liberado
pela Anvisa,
a injeção de Wegovy contém semaglutida, o mesmo princípio ativo do
Ozenpic, remédio injetável de menor dosagem empregado para o tratamento da
diabetes tipo dois, e do Rybelsus, também para diabetes, mas de via oral.
A
nova medicação é de uso semanal e ainda não está à venda. "Ainda tem que
cumprir um caminho regulatório para que a medicação chegue ao mercado. O uso atualmente
para o tratamento da obesidade é 'off label' [fora das condições aprovadas na
bula]", afirma Miranda.
Além
do controle da glicose, ideal para pacientes com diabetes tipo dois, o Wegovy
ajuda a tratar a vontade de comer excessivamente, reduzindo a ingestão calórica
ao longo do dia e, com isso, o peso.
"A
semaglutida tem ação sobre a regulação da função do trato gastrointestinal,
atrasando a velocidade do esvaziamento do estômago. Também atua na modulação da
secreção da insulina pelas células pancreáticas e age centralmente aumentando a
percepção de saciedade no hipotálamo", explica o presidente da SBEM.
Miranda
divide a linha temporal dos emagrecedores em
antes e depois das regulamentações americanas para medicamentos do tipo nos
anos 2000. "As teorias farmacológicas para a obesidade já tiveram
múltiplos campos de estudo. Até a década de 1990, nós tínhamos medicações lançadas
no mercado baseadas em estudos de curta duração e que não traziam, muitas
vezes, estudos de eficácia e segurança, principalmente cardiovascular."
Fundadora
do Ambulatório Clínico de Obesidade Severa do Hospital das Clínicas da
Universidade de São Paulo (HC/USP), a endocrinologista Alessandra Rascovski
está otimista, pois a nova geração de remédios se mostra segura para uso a
longo prazo (necessário em casos de obesidade).
"Uma
doença crônica na maioria das vezes se trata com medicação crônica. Infelizmente,
as pessoas tomam um pouco, emagrecem e depois param. Só que a gente também sabe
que a intensidade dos efeitos colaterais piora se você ficar usando de modo
intermitente, começa e para", diz Rascovski .
Os
novos medicamentos, segundo ela, trazem incômodos apenas da ordem
gastrointestinal, sem riscos vasculares ou para saúde mental, por isso são mais
viáveis para uso contínuo. Outra vantagem é agirem em centros de dopamina, que
regulam o desejo de comer compulsivamente.
Rascovski,
que também é médica do Hospital Israelita Albert Einstein, afirma que as
medicações dos anos 1990 traziam mais danos que benefícios ao tratamento de
obesidade.
"Peguei
a época das chamadas ‘bolinhas para emagrecer’, que na verdade eram os
derivados de anfetamina. Os efeitos colaterais eram principalmente de alteração
de humor e comportamento, e os indivíduos pré-dispostos a quadros psiquiátricos
acabavam ficando mais vulneráveis."
A
segunda leva, já na entrada dos anos 2000, foram os adrenérgicos, como a
sibutramina, ainda utilizados, mas com riscos para o paciente. "Quem toma
a sibutramina tem que assinar termo de responsabilidade. Quem está com
hipertensão descompensada não pode usar", diz Rascovski.
Outro
é o Orlistate,
porém seu resultado de emagrecimento é considerado baixo, em torno de 5% a 6%
do peso.
"Ele
inibe a absorção da gordura do que a gente comeu na dieta. Quando foi lançado,
deu muito problema porque, como era vendido sem receita, as pessoas tomavam e
iam comemorar na churrascaria e soltava demais o intestino, [mas] ele tem um
uso interessante, principalmente para pessoas com colesterol alto, porque acaba
tratando as duas coisas", afirma a médica.
No
ano passado, a Anvisa liberou o Contrave, uma combinação de bupropiona com
naltrexona, que está na fase de liberação comercial, como o Wegovy.
Rascovski
destaca ainda que muito do que foi conquistado na atualidade em termos de
medicações deriva do conhecimento obtido pelo tratamento cirúrgico.
"É
o quanto se aprendeu com cirurgia
bariátrica. A perda de peso que acontecia com ela era mais rápida, e a
melhora metabólica também. Níveis de glicemia, de insulina, de colesterol…
simplesmente porque a pessoa perdeu quilos e diminuiu a ingestão. E aí começou
a se estudar bastante as incretinas ou os hormônios gastrointestinais que
regulam fome e saciedade", conta a médica.
Nas
cirurgias, a parte fisiológica do estômago do paciente era mudada e sua
atividade posterior trouxe pistas sobre o funcionamento do ganho de peso.
"Retirava-se, por exemplo, o fundo gástrico, onde se produz grelina, e se
percebia que o efeito principal do resultado cirúrgico também passava por
alteração de microbiota e [que], além disso, acabava mudando o GLP-1",
relembra Rascovski.
Esse
conhecimento não fica restrito às medicações e passa também pelo entendimento
da trajetória de peso da vida da pessoa obesa. "Se [o paciente] nunca
pesou menos que 70 kg, é mais difícil manter esse peso. A obesidade é uma
doença crônica e precisa, sim, ser tratada. É diferente de querer emagrecer
‘dois quilinhos’."
Fonte_Folha
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