O ministro da Fazenda apresentou na
quinta-feira (12) um pacote de medidas fiscais que, segundo os números
apresentados, poderia transformar
um déficit de 2,16% do PIB em um superávit de 0,1%. Dada a incerteza das
projeções e riscos de não cumprimento de metas, o ministro se diz satisfeito
com um déficit de até 1% do PIB em 2023.
Na realidade, para chegar a esse 1%,
será preciso um esforço
de ajuste muito maior. Vários números parecem excessivamente otimistas.
A receita foi reestimada para cima em
R$ 36,4 bilhões. Esse ganho só ocorrerá se for mantido o alto nível de preços
das commodities no mercado internacional, que é o principal fator
responsável pela excelente arrecadação de 2022. É pouco provável, dada a
desaceleração da economia internacional.
Há uma previsão de economia de R$ 25
bilhões mediante renegociação de contratos. O gasto não obrigatório (onde estão
inseridos esses contratos) é de pouco mais de R$ 100 bilhões ao ano, logo não é
factível esperar tamanha economia.
Prevê-se, também, a possibilidade de
não executar toda a despesa autorizada na Lei Orçamentária, poupando R$ 25
bilhões. Aqui há uma impossibilidade legal. Desde 2019 o orçamento é
impositivo. Só é possível contingenciar despesas se a meta de resultado
primário ou o limite do teto de gastos estiverem sob ameaça de descumprimento.
Ocorre que a PEC da Transição e a PEC
do piso da enfermagem criaram tantas exceções ao primário e ao teto,
que se tornou praticamente impossível descumpri-los. Logo, não haverá suporte
jurídico para não executar as despesas.
O fim da desoneração dos combustíveis
renderia R$ 29 bilhões. Mas o Ministro anunciou que ainda não foi decidido o
fim da desoneração. Logo, não poderia estar na conta.
Há, também, a previsão de arrecadação
de R$ 70 bilhões por meio de mudança nas regras relativas a passivos
tributários em discussão administrativa e a incentivos à regularização fiscal.
Não se apresentou fundamentação clara para valores tão elevados.
Outro problema é que o pacote não
leva em conta despesas já decididas pelo Congresso e que não constam do
orçamento. Aí estão o pagamento do piso salarial da enfermagem, do incentivo à
cultura (Lei Paulo Gustavo), de compensação que a União terá que fazer aos
estados por conta de um veto derrubado pelo Congresso na lei de redução de
alíquotas do ICMS. Também não considera os precatórios devidos que não estão
sendo pagos.
Feitas as contas, o déficit de 2023
ficaria em nada menos que 1,8% do PIB. Para chegar ao 1% desejado pelo
Ministro, serão necessárias medidas adicionais, tais como a racionalização da
despesa do Bolsa Família, a efetiva reoneração dos combustíveis, a reoneração
do IPI, a manutenção do salário mínimo em R$ 1.302,00 durante todo ano.
Outro problema é que o pacote é
focado em medidas que têm efeito apenas em 2023. De 2024 em diante, mesmo com
as medidas adicionais listadas acima, voltaríamos para um déficit de 1,8% do
PIB.
Para que a Dívida Líquida do Governo
Geral pare de crescer, precisamos de um superávit primário de 2% do PIB. Sair
de um déficit de 1,8% para um superávit de 2% requer ajuste de 3,8 pontos
percentuais do PIB. Se os estados e municípios ajudarem com 0,8% do PIB, ainda
restaria um esforço de 3% do PIB. É impossível fazê-lo sem privatizações,
extinção de programas ineficientes, desvinculação de receitas, moderação no reajuste
do salário mínimo e dos reajustes a servidores. Boa parte dessas medidas já foi
descartada pelo presidente da República.
O Ministério da Fazenda está fazendo
o que é possível, dentro da restrição política que lhe foi imposta. O problema
é que esse possível está longe de ser o suficiente. A PEC da Transição e outras
medidas aprovadas ao final de 2022 agravaram o desequilíbrio. Podemos mudar o
nome do gasto público para "investimento", "Joaquim" ou
"Manoel". Mas isso não muda a natureza dos fatos.
A boa notícia fica por conta da
criação de um comitê de riscos fiscais, para melhorar a defesa da União e
reduzir a conta futura de precatórios, e da ênfase em avaliação de políticas
públicas que pode, no futuro, ajudar a extinguir ou reformular programas ineficientes.
Fonte_Folha
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