Uma das revistas
científicas mais prestigiadas do Brasil vai publicar uma edição especial sobre Práticas
Avançadas de Enfermagem em suas diversas especialidades e sobre Atenção
Básica em Saúde, em respostas às demandas do Sistema de Saúde
Universal.
Estudantes,
profissionais e pesquisadores já podem submeter suas pesquisas à revista ACTA
Paulista de Enfermagem, periódico científico da Escola Paulista de Enfermagem
da Universidade Federal de São Paulo (EFE/Unifesp). O prazo para submissão de
artigos para a edição especial vai até 1º de dezembro de 2023. Para mais
informações, você pode acessar o site acta-ape.org.
Conversamos com a
editora-chefe da revista, Janine Schirmer, para saber mais sobre essa edição
especial. Janine é enfermeira, Mestre em Enfermagem Obstétrica, doutora em
Enfermagem Materno-Infantil, livre docente e professora titular da Escola
Paulista de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo, com mais de 30
anos de carreira. Atualmente é diretora e coordenadora do Programa de
Residência Multiprofissional em Transplante, Captação de Órgãos e Tecidos da
EPE/Unifesp, onde também já foi pró-reitora de administração.
Qual a relevância
do periódico científico ACTA Paulista?
É uma revista
conceituada, que já tem 36 anos de história e, certamente, hoje está entre as
publicações mais importantes da área no país. Um periódico open access (acesso
livre) que utiliza a plataforma Scholar One e se conecta com as principais
bases de dados do mundo. É uma publicação voltada para a área da saúde,
especialmente para a enfermagem. Recebemos submissões de Portugal, da Espanha,
da China, enfim, de dezenas de países de todos os continentes. Temos prestígio
e respeito internacional.
Como surgiu a
ideia de fazer esses números temáticos sobre práticas avançadas e atenção
básica em saúde?
A ideia de lançar
uma edição especial sobre práticas avançadas e atenção básica em saúde surgiu
devido à importância da atenção primária como porta de entrada no Sistema Único
de Saúde (SUS) e da necessidade de discutir e promover as práticas avançadas de
enfermagem diante das mudanças nas necessidades de saúde da população. O SUS é
reconhecido como um sistema equitativo, justo e universal, que tem como missão
dar acesso aos serviços de saúde para todos os cidadãos brasileiros e pessoas
que vivem em nosso território. A prática avançada, por sua vez, está presente
em países desenvolvidos, sob regulamentação de organizações internacionais e
nacionais. Trata-se de um modelo de assistência onde enfermeiros especialistas
dedicam-se a áreas de especialidade e utilizam conhecimentos sofisticados para
tomar decisões clínicas de alta complexidade. Uma área complementa a outra e
ambas são essenciais fundamentais.
Qual seu conselho
para estudantes e profissionais que consideram impossível publicar na ACTA
Paulista?
Que é possível!
Nossa revista, é claro, possui critérios de indexação rigorosos. Não é uma revista
para relatar casos, mas sim para apresentar pesquisas estruturadas com
introdução, método, resultados, discussão e conclusão. Dificilmente você
encontrará um serviço de saúde que não tenha uma escola de enfermagem ou
medicina associada, com profissionais de saúde envolvidos em alguma forma de
estágio. Assim, acho que aqueles que desejam divulgar seu trabalho precisam se
aproximar daqueles que estão realizando o estágio na unidade, já que geralmente
há um professor acompanhando os alunos. No caso da enfermagem, não é possível
fazer um estágio de graduação sem a supervisão de um professor, que geralmente
possui mestrado ou doutorado e, portanto, sabe como escrever um artigo
científico. Acredito que essa seja uma boa estratégia. Frequentemente, observamos
algumas fragilidades nos trabalhos. Não rejeitamos logo de cara, fornecemos
sugestões e alternativas. Às vezes, até entramos em contato com o autor por
e-mail, para dizer que o tema é muito importante, mas é necessário reescrever.
Entendemos as dificuldades, inclusive daqueles que estão em pós-graduação. Não
se trata apenas de enfermeiros da prática. Muitas vezes, os pós-graduandos
também encontram dificuldades ao enviar um artigo ou manuscrito, e nosso
escritório editorial está aqui para ajudar e acolher.
Qual a importância
desse trabalho para o SUS?
Mesmo com todas as
dificuldades que enfrentamos, temos que reconhecer o SUS como um sistema
universal, integral e gratuito. Quando você viaja para outro país, consegue
perceber o que significa a desassistência e a sensação de estar desprotegido.
Se você tiver uma necessidade de saúde nos EUA, na Europa ou no restante da
América Latina, não tem a quem recorrer. Então, esse trabalho que estamos
desenvolvendo é para preservar e fortalecer o nosso sistema de saúde.
Qual a necessidade
das práticas avançadas no SUS?
As práticas
avançadas de enfermagem são essenciais para atender as necessidades complexas
de saúde da sociedade, como o envelhecimento da população e o aumento de
doenças crônicas e não transmissíveis. Além disso, grupos vulneráveis, como
mulheres, crianças e idosos, precisam de assistência adequada em cada
especialidade. A pandemia também destacou a importância de atender às
necessidades de saúde diante das mudanças climáticas, econômicas e políticas, para
garantir a sustentabilidade do sistema de saúde. Portanto, é fundamental contar
com práticas assistenciais complexas para atender às demandas atuais.
Qual é o estágio
atual das práticas avançadas de enfermagem no mundo?
A prática avançada
é defendida desde a década de 1960 e é amplamente adotada nas nações
desenvolvidas. Atualmente, existem 35 países da Europa que têm a inserção desse
modelo assistencial. É importante ressaltar que já existe regulamentação desse
campo pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico),
pelo ICN (Conselho Internacional de Enfermagem) e pelo Cofen desde 2010. A ABEn
(Associação Brasileira de Enfermagem) também tem defendido a importância desse
modelo de prática avançada para atender às demandas de saúde. Em termos gerais,
a enfermagem de prática avançada envolve enfermeiros especialistas dedicados a
áreas específicas, utilizando conhecimentos altamente sofisticados para tomar
decisões clínicas complexas. Isso é fundamental.
E no Brasil, qual
o panorama das práticas avançadas?
O nosso país
possui o maior número de programas de residência, tanto na área da enfermagem
como em outras áreas multiprofissionais. Essa experiência é única no Brasil e
até mesmo outros países, como os Estados Unidos, buscam assessoria nossa para
implementar esse tipo de residência, que é pública e conta com o apoio do
Ministério da Educação, que oferece uma bolsa de cerca de 4.200 reais por dois
anos de dedicação, assim como ocorre com a residência médica. É importante
mencionar que o Brasil investe nessa formação desde a década de 1970 e,
atualmente, praticamente todas as escolas públicas brasileiras oferecem
programas de pós-graduação, como mestrado e doutorado, em enfermagem. Embora
houvesse uma carência de pós-graduações nas regiões Norte e Nordeste, esse
panorama está melhorando. Nas regiões Sul e Sudeste, há uma oferta abundante de
pós-graduações. Os profissionais desses programas desenvolvem tecnologias em
saúde e cuidam de uma ampla e complexa rede de atenção. Embora ainda existam
algumas resistências à adoção de práticas avançadas, acreditamos que estamos
avançando. O objetivo da revista é justamente despertar o interesse e
compartilhar experiências entre enfermeiros que se interessam pelo cuidado
especializado. Acreditamos que o periódico possa mostrar à comunidade a
realidade e a possibilidade de implementação das práticas avançadas no Brasil.
De que forma a
evolução desse processo se relaciona com a informatização da saúde?
Temos a
perspectiva de que possamos ter um prontuário eletrônico do SUS. Nesse
contexto, é o enfermeiro quem geralmente registra as informações no prontuário,
sendo responsável pela documentação e pelo acompanhamento epidemiológico nas
unidades básicas de saúde. Na atenção básica, a qualificação dos enfermeiros em
práticas avançadas poderia trazer benefícios significativos, proporcionando uma
integração mais eficiente com outros serviços públicos, como creches, escolas e
até mesmo órgãos de segurança pública. Essa integração é fundamental, pois
permite uma abordagem mais abrangente e coordenada, especialmente em casos como
violência contra a mulher, onde diferentes instituições precisam atuar em
conjunto.
Qual a sua opinião
sobre o ensino de enfermagem atualmente e como a senhora imagina o ensino de
práticas avançadas em enfermagem dentro dos próximos 10 anos?
Atualmente, a EaD
é a maior ameaça à qualidade do ensino. Até considero possível ensinar algumas
disciplinas de enfermagem a distância, desde que incorporando novas tecnologias
de ensino, algo que aprendemos com a pandemia. Outro problema é o número
elevado de escolas e cursos sem credibilidade. Não vou sugerir que essas
escolas sejam fechadas. No entanto, gostaria de salientar que não temos
atualmente um controle efetivo sobre o ensino de enfermagem nas escolas, o que
fragiliza bastante a profissão. É preocupante ver profissionais se formando sem
uma supervisão adequada, uma vez que eles serão responsáveis por cuidar de
pessoas. Por isso, acredito que o ensino de enfermagem precisa atingir um nível
mais elevado. A ABEn, juntamente com o MEC e o Ministério da Saúde, poderiam
criar um sistema de acreditação para as escolas de enfermagem. Existem
instituições que cobram apenas R$150 por mês para frequentar um curso de
Enfermagem e não acredito que seja possível ter um corpo docente e campos de
estágios adequados com este recurso financeiro arrecadado. Acredito que nossas
instituições precisam avaliar as escolas, os currículos e, quem sabe no futuro,
também avaliar a prática dos enfermeiros. Não sei quando isso ocorrerá, talvez
daqui a 5, 10 ou 15 anos, mas penso que temos a responsabilidade de avaliar se
os enfermeiros merecem ter o título e a qualificação para exercer a profissão.
Não se trata apenas da enfermagem, mas também de outras profissões, como
medicina e fisioterapia. É crucial que assumamos essa responsabilidade. Quanto
ao futuro das práticas avançadas, acredito que precisamos estabelecer uma
aliança entre as necessidades do SUS, a formação acadêmica e o investimento em pós-graduação.
Utilizamos o dinheiro público para isso e, portanto, é preciso investir na
formação de profissionais qualificados. Temos a responsabilidade de unir essas
três entidades – CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico), CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior) e o Ministério da Ciência, Tecnologia, Educação – para discutir como
implementar práticas avançadas de enfermagem. O Brasil é um país de enorme
extensão territorial e precisamos encontrar maneiras de garantir o acesso à
saúde para todos os locais que atualmente não possuem. A formação em práticas
avançadas de enfermagem pode ser uma alternativa, uma vez que o SUS possui
políticas públicas estabelecidas com protocolos definidos. Se formarmos
enfermeiros qualificados, juntamente com residência e mestrado em práticas
avançadas, esses profissionais podem se tornar lideranças e possibilitar o
acesso à saúde em todo o país. Isso também ajudaria na redução de custos. Daqui
a 10 anos, espero estar aposentada e observar esse processo acontecer.
Fonte_COFEN
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