Há 60 anos, os militares fulminaram pelo golpe o regime constitucional iniciado em 1946. Há 39 anos, o país enterrou a ditadura e instalou o seu mais longevo período democrático. É preciso relembrar, por motivos distintos e complementares, esses dois marcos.
A ruptura
de 1964 ilumina alguns aspectos da atualidade, em meio às
investigações da Polícia Federal sobre movimentações golpistas para impedir a
sucessão presidencial decretada nas urnas em 2022.
O
Exército de Humberto Castello Branco não é o mesmo Exército
de Marco Antônio Freire Gomes. O primeiro aderiu em bloco e sem hesitar ao
intervencionismo em voga na Força desde 1889. O segundo repeliu o assédio de um
presidente da República autoritário.
O
organismo político desenvolveu imunidade ao vírus do retrocesso. Segundo o
Datafolha, 71% da população entende que a democracia é sempre melhor que
qualquer outra forma de governo.
A
insurreição que depôs João Goulart recebeu apoio de vários setores da sociedade
civil, do empresariado à imprensa —inclusive o desta Folha, um erro já
admitido pelo jornal. Em 2022 os nostálgicos da truculência ficaram isolados.
É
lamentável, aliás, que o atual presidente se veja constrangido a evitar atos de
governo a respeito do aniversário do golpe.
Rememorar
as conquistas do regime democrático fundado em 1985 —e consolidado na Carta de
1988— completa o quadro dos ensinamentos suscitados pela efeméride e nos
informa sobre as razões da solidez institucional do Brasil.
Os
últimos dois terços das seis décadas que nos distanciam de 31 de março de 1964
foram percorridos ininterruptamente sob a democracia. Milhares de eleições
foram realizadas na Nova República, com todos os resultados rigorosamente
respeitados. Oposições e governos ganharam e perderam.
O
período sob o regime das liberdades já é longo o suficiente para que mais da
metade da população brasileira atual tenha nascido na vigência da democracia.
Não passa pela cabeça da esmagadora maioria se submeter a tiranetes que decidem
o que se pode fazer ou dizer no país.
A
democracia controlou a inflação, equilibrou as contas externas, universalizou o
acesso ao ensino básico e à saúde e estendeu um amplo colchão de seguridade
social, feitos de que o regime anterior jamais chegou perto.
Não
se cogita enfrentar as mazelas que persistem —como a má qualidade do ensino, a
desigualdade da renda, a precária cobertura do saneamento e a baixa
produtividade econômica— por outro caminho que não o do Estado democrático de
Direito.
Os
poucos celerados que recentemente desafiaram esse rochedo institucional
responderão por seus atos nos tribunais. A eles estarão garantidos os direitos
ao contraditório e ao devido processo, itens que jamais facultariam a seus
opositores na ditadura que, em seus delírios, pensaram em reinstalar.
Fonte_Folha
Nenhum comentário:
Postar um comentário