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quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Hepatites

 


Uma questão mobiliza pesquisadores de hepatites virais que atuam na Amazônia brasileira. Por qual motivo a hepatite delta atinge de forma mais agressiva moradores de comunidades ribeirinhas? Endêmica na região Norte do país, especialmente na área conhecida como Amacro (Amazonas, Acre e Rondônia), a hepatite delta, também chamada de hepatite D, está associada aos quadros mais graves de doença hepática, com risco aumentado para o desenvolvimento de cirrose e câncer de fígado, quando comparada à hepatite B. [Conheça os diferentes tipos de hepatite aqui]

Apesar de reconhecida como a forma mais grave de hepatite viral e apresentar grande número de casos no mundo — cerca de 18 milhões de pessoas — e na Amazônia, a hepatite D é considerada negligenciada por pesquisadores, que apontam que o vírus HDV, causador da doença, há muito ultrapassou os limites da região e faz vítimas em outros pontos do Brasil.

Números do Boletim Epidemiológico sobre Hepatites Virais, divulgados em 2023, pela Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde, confirmam: dos 4.393 casos diagnosticados de hepatite delta no Brasil entre 2000 e 2022, 73,1% foram registrados na região Norte, seguida por casos nas regiões Sudeste (11,1%), Sul (6,6%), Nordeste (5,9%) e Centro-Oeste (3,3%).

Apesar da incidência em todo o país, a testagem para hepatite delta não é obrigatória na rotina dos serviços de saúde fora da região Norte, o que pode favorecer a subnotificação de casos. Some-se a isso a informação de que a doença é considerada silenciosa, ou seja, tem sintomas raros e inespecíficos, muitos deles similares aos outros tipos de hepatites: cansaço, tontura, enjoo e/ou vômitos, febre, dor abdominal, pele e olhos amarelados, urina escura e fezes claras.

A hepatite delta é um dos temas pesquisados pela equipe do Laboratório de Virologia Molecular da Fiocruz Rondônia. Atentos aos números e à gravidade do problema nas comunidades de difícil acesso na Amazônia, os cientistas identificaram, em 2023, dois pacientes jovens, moradores de Lábrea, no sul do estado do Amazonas, já com estágios avançados da doença. 

Assistidos pela rede de saúde de Porto Velho (já que Lábrea é mais próxima da capital de Rondônia do que de Manaus), os dois irmãos, de 19 e 23 anos, apresentavam características de superinfecção: um deles com câncer no fígado, o outro com episódios hemorrágicos, algo que não é comum em pessoas jovens, como explica a virologista Deusilene Vieira, pesquisadora-chefe do Laboratório de Virologia Molecular da Fiocruz Rondônia.

“A partir do momento que a gente soube desses dois indivíduos, resolvemos avaliar o contexto familiar e o da comunidade onde viviam”, conta a pesquisadora na entrevista que concedeu à Radis. A descoberta motivou a equipe de Rondônia a propor uma parceria com os profissionais do Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) de Lábrea, que contabiliza 1.400 casos notificados de diferentes tipos de hepatite. [Leia entrevista com Deusilene Vieira aqui]

“Apesar da incidência em todo o país, a testagem para hepatite delta não é obrigatória na rotina dos serviços de saúde fora da região Norte, o que pode favorecer a subnotificação de casos”

Estabelecida a parceria, pesquisadores e profissionais organizaram em dezembro de 2023 uma expedição para conhecer de perto a realidade de algumas comunidades ribeirinhas, incluindo Madeirinho, às margens do rio Purus, onde os rapazes vivem.

Mais do que respostas, o que encontraram foi um cenário complexo, com relatos de casos antigos e recentes — alguns diagnosticados, outros não — além de muitos históricos de mortes cuja causa não foi esclarecida, mas que apresentam indícios que podem ter sido causadas pela hepatite D.

Em junho de 2024, as duas equipes retornaram à Lábrea para ampliar o rastreamento das hepatites virais, desta vez visitando as comunidades de Várzea Grande e Acimã, que também ficam às margens do rio Purus. O objetivo era testar o maior número de pessoas possível e, para os casos com diagnósticos positivos, acompanhar os pacientes, oferecendo tratamento e assistência.

O rastreamento é realizado por meio de um método desenvolvido pelos pesquisadores do laboratório da Fiocruz, que permite quantificar a carga viral dos pacientes — crucial para uma orientação clínica adequada. Um mês após a viagem, o Ministério da Saúde divulgou nota técnica autorizando a implantação piloto do exame de carga viral do vírus da hepatite D ou Delta (CV-HDV) no SUS. [Conheça o teste de carga viral CV-HDV aqui]

Radis acompanhou o trabalho dos pesquisadores nesta viagem, cujo trajeto percorreu parte da Rodovia Transamazônica, navegou por quase 20 horas e visitou duas comunidades às margens do rio Purus. Uma viagem cheia de desafios, que reúne longas distâncias, deslocamentos complexos, paisagens incríveis e histórias de vida únicas e que você acompanha a partir de agora.



Em busca de novos casos

São pouco mais de 2 horas da tarde de segunda-feira, 24 de junho, quando as equipes do laboratório de virologia da Fiocruz e do CTA de Lábrea começam a trabalhar na comunidade de Várzea Grande, distante nove horas de barco da sede do município, no sul do Amazonas. A chuva não dá trégua, mas não há tempo a perder. Mesmo depois de um trajeto exaustivo, o clima entre as equipes é de empolgação. [Leia o relato da viagem aqui]

“Se é para trabalhar, vamos começar”, incentiva Deusilene, já paramentada para atender as pessoas, que pacientemente aguardam sob a estrutura do galpão comunitário, algumas já com os cartões do SUS em mãos. Crianças correm, animadas e curiosas com os visitantes; conversas reúnem pessoas que vivem ali e outras que moram a horas de viagem de barco. A notícia que corre é que ainda há gente a caminho de lá.

A sanitarista Keith Ellen Quintino, gerente do CTA, explica como funciona o trabalho: as pessoas primeiro são atendidas pela equipe do CTA, quando são submetidas ao teste rápido para HIV, sífilis e hepatites B e C; o teste, feito por meio de um pequeno furo no dedo, oferece resultado em poucos minutos.

Aquelas que testam positivo para alguma das hepatites (e as que já foram diagnosticadas em algum momento da vida ou têm histórico familiar da doença) são encaminhadas à equipe do laboratório da Fiocruz Rondônia, quando passam por uma breve entrevista e, com seu consentimento, retiram uma amostra de sangue.

As amostras, acondicionadas de modo a manterem a sua integridade, serão levadas ao laboratório, em Porto Velho, para serem testadas para hepatite delta, utilizando-se o teste molecular quantitativo de carga viral. Os casos positivos serão posteriormente informados ao CTA, que por sua vez comunicará os pacientes para que estes recebam tratamento adequado e acompanhamento no município.

Não há, de fato, tempo a perder. É preciso agilidade para atender tanta gente em tão pouco tempo. Além da longa viagem de volta, é preciso estar atento para que as amostras recolhidas não se percam e o trabalho seja perdido. E não são poucos os relatos sobre hepatites entre as pessoas que estão ali.

Keith explica que o rastreamento será essencial para obter um levantamento atualizado do número de casos no município. Ela explica que não se sabe se as pessoas já diagnosticadas com diferentes tipos de hepatite também estão infectadas com o vírus HDV, causador da hepatite delta. A gestora de Lábrea também sinalizou a importância em localizar cada uma dessas pessoas, ponderando que alguns podem ter se mudado ou mesmo falecido: “É nossa meta localizar estes pacientes e acompanhá-los”, diz à Radis, enquanto cumprimenta conhecidos no centro comunitário.

Entre as pessoas que estão à espera da testagem rápida, a agricultora Raimunda Antônia Inácio da Silva, da comunidade de Bela Rosa, conta que veio até Várzea Grande com o marido Edideus, que é agente comunitário de saúde (ACS), para aproveitarem a oportunidade e fazer os exames. Eles moram a uma distância de dois dias de viagem pelo rio, mas cortaram caminho por um “varador” — espécie de atalho pela floresta — para reduzir o tempo de deslocamento.

Ela relata que uma de suas irmãs tem diagnóstico positivo para hepatite (que ela não sabe dizer exatamente qual), lembra que outros irmãos tiveram “tirícia” — um modo regional de as pessoas falarem sobre a “icterícia”, um dos sintomas de hepatites que deixa a pele amarelada — e fala que perdeu primos no passado com os mesmos sintomas.

“Quero fazer os testes para saber se tenho alguma coisa. Antes eu sentia dor no estômago, hoje não sinto nada. Talvez não tenha mais”, diz ela, admitindo que nunca fez qualquer tratamento. Aos 34 anos, mãe de três filhos, um deles perdido em um acidente na roça com apenas 14 anos, ela revela à Radis que sofre muito mais com a saudade. “A falta dele é muito grande”.

Relatos de outros moradores de Bela Rosa são similares: O agricultor Wellington do Nascimento Dutra, 24 anos, conta que testou positivo para hepatite C ainda criança. Ele diz não lembrar se foi tratado, mas acredita estar curado, já que nada sente e leva “uma vida normal”.

Maria Lopes de Freitas, 48 anos, afirma que tem hepatite B, assim como dois dos seus 13 filhos. Alguns deles nunca foram testados para a doença, informa. Ela se lembra de ter tomado remédios caseiros para a “tirícia” quando criança, mas também não se queixa de nenhum sintoma.

Um vírus silencioso

Os muitos casos relatados de hepatites (passados e presentes) em uma mesma comunidade e/ou na mesma família reforçam a suspeita dos pesquisadores de que muitas pessoas podem estar contaminadas sem saber. O vírus é silencioso, quase não apresenta sintomas, além de ser transmitido por contato (relações sexuais sem camisinha com uma pessoa infectada; da mãe para o filho, durante a gestação, o parto ou a amamentação; ou ainda por meio do compartilhamento de drogas e objetos de higiene pessoal, entre outros). [Leia entrevista sobre o tratamento e acompanhamento de pessoas com hepatites virais aqui]

A preocupação se acentua quando se esclarece que o vírus HDV depende da presença da infecção pelo vírus HBV (da hepatite B) para infectar um indivíduo. A infecção pode ocorrer de duas formas: uma coinfecção simultânea com o HBV (quando a pessoa é infectada com os dois vírus, ao mesmo tempo) ou uma superinfecção (quando o indivíduo já tem uma infecção crônica de hepatite B e posteriormente se infecta com o HDV).

Isso significa que se há muitos casos de hepatite B em uma família ou mesmo em uma comunidade — e lembranças remotas e recentes de episódios graves relacionados a diagnósticos ou sintomas — é possível que haja mais casos, ainda silenciosos, como explica a biomédica Ana Maísa da Silva Passos, entre um atendimento e outro. Enquanto apresentam o termo de consentimento da pesquisa e fazem uma pequena entrevista com cada um dos pacientes, ela e Deusilene investigam possíveis casos de contaminação no mesmo grupo familiar ou comunitário.

Integrante da equipe do laboratório da Fiocruz e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Biologia Experimental (PGBIOEXP) da Universidade Federal de Rondônia (Unir), onde estuda aspectos genéticos da hepatite delta, Ana esclarece que a busca é por algum “fator humano” que explique a endemicidade e a agressividade do vírus HDV na região do Purus.

Ela esclarece que o genótipo do vírus que circula na região ribeirinha é o mesmo visto em outros lugares da região Norte — onde os pacientes não apresentam quadro tão agravado, o que os leva a supor que a questão está mais ligada à interação entre as pessoas. Não é possível, segundo ela, estimar se esse fator é genético, cultural, social ou mesmo ambiental. “É isso que estamos tentando descobrir”, diz à Radis.



Ciência e saúde em campo

O regime de trabalho na comunidade é de mutirão e a tarde segue sem que as duas equipes tenham descanso. A rotina é conhecida da enfermeira Débora Rocha, de Lábrea, que naquele momento explica ao agricultor Antônio José dos Santos da Silva, 47 anos, morador de Várzea Grande, o que cada uma das equipes está fazendo, enquanto ele aguarda o resultado do teste rápido que tinha acabado de fazer. Ela também diz por qual motivo Antônio não deve estar curado da hepatite B. “Se o senhor teve diagnóstico positivo, então ainda está com o vírus. A hepatite B não tem cura, mas tem tratamento”, diz, orientando para que traga a esposa para se testar.

Ao lado de Débora, a técnica de enfermagem Natilúcia Santos atende Francisca Malveiro da Silva, a Branca. Ela dá dicas para que a moradora de Várzea Grande não se contamine com a hepatite B — não compartilhar batom, aparelho de barbear, chicletes ou escova de dentes, entre outras medidas — e Branca responde, contando que nos 44 anos de vida nunca teve um sintoma. Ela diz lembrar, no entanto, de uma tia que perdeu para a hepatite. “Na época, todo mundo fez exame, três tiveram hepatite A. O meu não deu nada”, diz, sorridente.

Na mesa grande, onde se dividem na coleta de sangue e identificação das amostras, os pesquisadores Jackson Queiroz, Adrhyan Araújo e Kátia Ingrid Maia, da Fiocruz, executam o trabalho de campo que complementa a rotina acadêmica do laboratório. Mesmo depois da longa viagem e de horas em pé, revezam-se no cuidado com cada paciente, na identificação minuciosa de cada frasco coletado. Tudo com muito bom humor e paciência.

As atividades acontecem em ritmo acelerado, já que a noite se aproxima e, com ela, desafios para quem trabalha em plena Floresta Amazônica. Às margens do rio Purus, o centro comunitário é um ponto de luz no meio da escuridão da mata: é preciso estar atento onde se pisa; nuvens de mosquitos se reúnem ao redor de cada lâmpada, outras, deixam marcas em qualquer pedaço de pele desprotegido. As atividades seguem até 10 da noite, quando finalmente é possível tomar um banho, comer alguma coisa e descansar.

O dia seguinte promete: atendendo a um pedido feito mais cedo por moradores de Acimã, as equipes estenderam o trabalho até mais tarde para que pudessem, ainda na manhã do dia seguinte, passar na comunidade, que fica algumas horas rio abaixo, já no caminho de volta. Às 6 da manhã do dia 25 de junho, já estão todos prontos para embarcar rumo a mais um dia de trabalho.

Apesar das condições de tempo não ajudarem, o barco navega lentamente até atracar na praia de areia branca de Acimã por volta das 8 e meia da manhã. Já há algumas pessoas à espera do “pessoal da saúde”. A agente comunitária de saúde Janete Alves da Silva, 49 anos, é a primeira a ser atendida. Casada, 49 anos, seis filhos e seis netos — dois deles morando com ela, Jeferson, de 11 anos, e Camila, de 3 — ela conta à Radis que atende 23 famílias que vivem ali.

Diagnosticada com hepatite delta em 2004, Janete responde às perguntas feitas por Ana Maísa, que investiga seu histórico familiar. Além de algumas taxas alteradas (glicose, pressão alta, algumas dores), a ACS revela que seu pai morreu aos 65 anos “por causa desconhecida”, e que seu irmão também recebeu diagnóstico para hepatites — qual, ela não sabe dizer.

“Vamos testar seu neto, de 11 anos. Se der positivo, é muito provável que a menina de 3 anos também esteja com o vírus”, diz Ana Maísa a Janete, explicando que é possível que o pai dela também tivesse o vírus HDV. A pesquisadora aproveita a situação para demonstrar o que eles encontram em muitas comunidades: relatos imprecisos, diagnósticos não registrados, mortes não investigadas — o que deixa as pessoas desprotegidas.

O próprio relato da ACS deixa lacunas. Ela diz na entrevista que foi vacinada contra a hepatite B; não apresenta sintomas claros da hepatite D. “O que caracteriza a doença é a icterícia ocular, que ela não tem. Tudo isso a gente precisa investigar”, diz Ana, indicando que é preciso mais uma vez testar o sangue da ACS.

“O SUS é uma parceria boa, mas precisava ter mais atendimento aos ribeirinhos”

Janete Alves da Silva, ACS


Uma urgência, o SUS em ação

Janete escuta as orientações enquanto segura a neta Camila no colo. Nada abala a sua calma, como se acompanhasse o ritmo do rio que, ao longe, parece plácido a refletir o céu azul.

“Eu nasci na beira desse rio, me criei e vivo aqui. A vida é boa, não me vejo morando na cidade”, diz, encaminhando-se para a porta de sua casa, pintada de rosa, cor predileta que também é a da camiseta que veste, onde se lê: “Permita-se florescer”.

“O bom de ser ACS é poder ajudar as pessoas”, afirma, sorrindo. O lado ruim, pensa antes de responder, é não poder atender as demandas “dos comunitários” por remédios e consultas. “Médico aqui não vem. Quando a situação é mais grave, eu ligo para a enfermagem, em Lábrea”, diz ela. Acimã, explica Janete, fica a uma distância de dois dias de viagem da sede do município, nas embarcações que eles têm disponíveis. [Para se ter um parâmetro de comparação, a mesma distância foi percorrida pela equipe de atendimento em pouco mais de 4 horas]. “O SUS é uma parceria boa, mas precisava ter mais atendimento aos ribeirinhos”, reclama.

A demanda por testes rápidos e exames já diminui, quando as conversas são interrompidas por um pedido desesperado por ajuda. A família de Denilson Martins da Silva, 16 anos, pede que alguém acuda o rapaz, que está ruim desde o sábado anterior, quando a comunidade preparava a festa em homenagem a São João, cuja decoração ainda é visível.

Naquele dia, o rapaz desmaiou. Desde então, sofre com vômitos, febre e dor de cabeça. “Ele gosta de cantar, mas nem aproveitou a festa”, garante a mãe. Janete confirma. “Ele foi e voltou porque não se sentia bem”, relata. “Eu vou lá ver”, diz Débora, enfermeira de Lábrea. Ela suspeita que o rapaz possa estar com malária.

A situação na casa de Denilson é caótica. Deitado de bruços em um colchão estendido no piso de madeira, ele mal levanta a cabeça, enquanto a avó tenta fazer com que ele tome um pouco de caldo de caridade [caldo tradicional do Norte e Nordeste do país, feito de mandioca, que tem fama de “levantar” doentes]. Ali, a enfermeira é informada que o rapaz se recuperava de catapora. Ela mede a febre e pede um ventilador; a avó recusa, aos prantos, alegando que o neto vai morrer.

A idosa chora, o ventilador é retirado do quarto, mãe e irmãos choram; calmamente, Débora faz os testes rápidos no jovem, que não esboça qualquer reação. Alguns minutos depois, ela revela que resultados deram negativos, o que aumenta sua suspeita para malária.

A equipe decide que não é possível deixá-lo para trás, naquele estado. Como é menor de idade, alguém da família terá que acompanhá-lo até Lábrea, onde será encaminhado a um hospital. “Eu vou”, diz Raimundo Alves da Silva, 53, pai do rapaz.

Um mutirão se forma e logo ele é carregado ao barco, nos braços de outro jovem. Na viagem de volta, Denilson dorme no colo do pai; vez e outra, Débora oferece água e mede a temperatura do rapaz, que pouco a pouco vai baixando. Ela comenta que este tipo de situação é comum, em seu dia-a-dia de trabalho nas comunidades ribeirinhas. “O importante é manter a calma”, recomenda.

A enfermeira fala sobre o prazer que tem em desempenhar o seu trabalho, revelando que toda a sua formação foi feita dentro dos serviços de saúde, como acontece com muitos profissionais que nascem e continuam morando na Amazônia. Ela foi agente comunitária de saúde, técnica de enfermagem e por fim formou-se enfermeira. Diz não querer sair da cidade onde nasceu e revela sua gratidão ao caminho profissional que escolheu: “Sou muito grata ao SUS”, diz, animada.

SUS também é pesquisa e formação

O trajeto de mais quatro horas de rio, em direção à Lábrea, é feito na maior parte em silêncio. Todos aparentam cansaço. Alguns ensaiam momentos de cochilo, apoiando-se no corpo de um colega de trabalho. A ergonomia do barco não ajuda: viaja-se de lado; como o motor se localiza na popa, a proa tende a se inclinar para cima, fazendo com que o corpo fique inclinado para um dos lados. O barulho do motor é constante.

Para compensar o desconforto, as cores que colorem o fim de tarde nas curvas do rio e nas ribanceiras em suas margens oferecem um panorama incrível. Ao longe, um jacaré toma sol em uma das praias, capturado apenas pelo olhar treinado do barqueiro, sem que o restante consiga acompanhar. A floresta é para os poucos que a conseguem ver.

A chegada ao porto de Lábrea é no fim da tarde, mas o trabalho não termina. Enquanto os profissionais de saúde tratam da remoção de Denilson a uma unidade de saúde [a suspeita de contaminação por malária não se confirma, informou a equipe], os pesquisadores da Fiocruz descarregam o material de pesquisa e se preparam para um terceiro turno, no laboratório.

Após uma breve pausa para se alimentar, eles partem para o laboratório municipal de Lábrea para preparar e identificar cada amostra de sangue recolhida nas comunidades. Ao todo, foram atendidas 113 pessoas nos dois dias de trabalho. A tarefa, minuciosa e demorada, só termina às 5 horas da manhã do dia seguinte, dia 26.

Poucas horas depois, Deusilene e a médica hepatologista Eugênia de Castro e Silva — que nos dias de viagem permaneceu em Lábrea, atendendo as pessoas já diagnosticadas com hepatite D — estão em sala de aula, esclarecendo dúvidas de médicos, enfermeiros e técnicos do município, em uma capacitação sobre hepatites virais. Ao fim da manhã, a equipe do laboratório já está na estrada, de volta a Porto Velho. Combinam, no caminho, quem vai passar no laboratório para deixar o material recolhido em campo.

A viagem é cansativa, mas produtiva, já que mostra a importância da integração entre pesquisa e assistência na promoção à saúde na Amazônia, bem como comprova a dedicação de profissionais que, mesmo diante de desafios, comprometem-se em fazer o melhor em seu trabalho.

Fonte_ FioCruz

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