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quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Além da nutrição: leite materno estimula sistema imunológico, regula pressão arterial e contribui para o bem-estar dos bebês

 


Composto principalmente por água, proteína, gordura e açúcar, o leite materno é considerado o alimento mais eficaz para a nutrição dos bebês. Por conta disso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que as crianças sejam exclusivamente amamentadas até os seis meses de vida e preconiza que a ação seja mantida, mesmo após a introdução alimentar, até os dois anos de idade (ou mais) dos pequenos.  

Para além da função nutricional, muito se discute sobre o possível impacto do alimento no desenvolvimento fisiológico da criança. Recentemente, um estudo encabeçado por pesquisadores do Butantan e publicado no Journal of Clinical Nutrition and Dietetics revisou os aspectos sobre a presença de proteínas no leite humano que podem gerar peptídeos bioativos capazes de contribuir na regulação do sistema imunológico, da atividade anti-hipertensiva, da dor e da sensibilidade, além de possuir outras funcionalidades.

A hipótese é que os peptídeos bioativos possam se formar durante o processo digestivo que acontece no estômago do bebê principalmente devido à clivagem da caseína – importante proteína encontrada no leite materno, mas que isoladamente não possui nenhum tipo de efeito. 

Os pesquisadores conduziram experimentos para isolar e caracterizar esses peptídeos, combinando os testes em laboratório com uma extensa revisão literária sobre o assunto. “Utilizamos a tripsina, enzima secretada pelo pâncreas e cuja função é digerir as proteínas ingeridas para ‘mimetizar’ uma ação digestiva similar à dos bebês”, explica o primeiro autor do estudo e pesquisador científico do Laboratório de Bioquímica do Butantan Ivo Lebrun, que desde a década de 1990 vem trabalhando com isolamento e análise de diversos peptídeos.


Substâncias bioativas e suas funções

Uma das evidências apontadas pelos cientistas do Butantan no estudo foi a presença de um grupo de peptídeos que pode estar relacionado à atividade imunoestimuladora nas crianças, contribuindo para ativação de linfócitos – célula de defesa do organismo. “Como os pequenos não possuem esse sistema totalmente calibrado, ter compostos que auxiliam o processo faz com que a ‘configuração’ aconteça de forma mais eficaz”, observa Ivo.

Também foi notada a presença de peptídeos potenciadores de bradicinina. A substância é responsável por inibir a ação da enzima conversora de angiotensina, atuando na degradação do componente que faz com que as paredes musculares de determinadas artérias se relaxem, desempenhando assim um papel valioso na regulação da pressão arterial – inibidores similares já foram encontrados no veneno da jararaca (Bothrops jararaca) e utilizados na formulação de um remédio para combater a pressão alta.

Outro achado mostrou que a clivagem enzimática da lactoferrina (proteína do soro do leite) gera peptídeos antimicrobianos, que apresentam propriedade bactericida capaz de inibir o crescimento de microrganismos como a Escherichia coli, bactéria presente no intestino humano mas que quando desregulada pode provocar doenças como diarreia e infecção urinária. Apesar de parecer algo inofensivo à primeira vista, a diarreia é a terceira principal causa de morte entre menores de 5 anos. Segundo a OMS, a doença mata quase 5 milhões de crianças todos os anos no mundo, principalmente nos países de baixo desenvolvimento econômico e social. 

Já os peptídeos opioides auxiliam na regulação da dor e nos ciclos de sono do bebê. De acordo com o estudo, algumas dessas substâncias apresentam atividade similar ao efeito provocado pela morfina – medicamento utilizado no controle de dores intensas.

Por fim, Ivo ressalta que peptídeos com atividade antitumoral também já foram encontrados no leite materno – evidência que reforça os dados clínicos de que mulheres lactantes têm menor predisposição ao câncer de mama. “Uma das possibilidades discutidas é de que o leite seja, de alguma forma, ‘reprocessado’ pela glândula mamária, dando origem assim aos peptídeos que podem gerar um efeito protetivo contra a doença”, explica. 

 


Alimento customizado

O leite materno é feito “sob medida” para suprir as diferentes necessidades que o bebê irá apresentar, principalmente ao longo do seu primeiro ano de vida. Logo após o nascimento, por exemplo, os recém-nascidos sugam o colostro. Denso e amarelado, o líquido é rico em lipídios e minerais, além de conter um aporte considerável de anticorpos que foram passados pela mãe e protegem o organismo dos pequenos da ação de vírus e bactérias. A fim de garantir a chamada “proteção passiva”, é recomendado que as gestantes atualizem o esquema vacinal da hepatite B e da tríplice bacteriana se necessário, recebam o reforço da vacina antitetânica e os imunizantes contra a gripe e a Covid-19, conforme indicado nas campanhas sazonais.

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Por volta do quinto dia após o parto, o colostro começa a mudar de aparência, assumindo um aspecto mais claro e cremoso. O “leite transicional” apresenta menos anticorpos e maior concentração de proteínas. Nessa fase, o bebê ganha peso rapidamente e inicia sua atividade digestiva – quando então são gerados os peptídeos bioativos. Passados 10 a 15 dias do nascimento, as glândulas mamárias vão então produzir o “leite maduro”. Com menos proteína e mais açúcar, a substância de sabor levemente adocicado é essencial para o desenvolvimento dos tecidos cerebrais e confere o aporte de energia necessário para a criança.

As amostras analisadas pelos pesquisadores do Butantan também comprovaram que o leite humano varia bastante de uma pessoa para outra. Mesmo quando em “estágios” iguais – colostro, transicional ou maduro –, a composição dos líquidos apresenta divergências. “O organismo da mãe produz o leite exatamente de acordo com o que a sua criança precisa. É algo incrível”, aponta a biomédica e gerente de produção do setor de Processamento de Plasmas Hiperimunes do Butantan Aline Auada, também autora do estudo.

 

Agosto Dourado

De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), a amamentação é uma forma barata e segura de evitar mais de um milhão de mortes de crianças todos os anos. 

A fim de reforçar a importância do aleitamento materno, os primeiros dias de agosto marcam a Semana Mundial do Aleitamento Materno (SMAM). A data foi criada no ano de 1992 pela Aliança Mundial de Ação Pró-Amamentação (WABA, na sigla em inglês), colocando em pauta assuntos que dizem respeito ao direito à amamentação. No Brasil, desde 2017 a programação se estende por todo o mês de agosto, que ficou conhecido como Agosto Dourado – a cor relaciona-se ao padrão ouro de qualidade do leite materno. 

Em 2024, a WABA estabeleceu o tema “Reduzindo a lacuna: apoio à amamentação para todos”. O objetivo das discussões é suprir as lacunas existentes na sociedade e eliminar as desigualdades que ainda existem no apoio à amamentação. “Como mãe, acredito que amamentar é uma ação completa. Por meio do meu leite, sei que ofereci o que eu tinha de melhor ao meu filho, e vivemos momentos únicos de interação e vínculo profundo”, completa Aline, que além de cientista é mãe do pequeno Marcelo, de 7 anos.

Fonte_ Butantan

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