Composto
principalmente por água, proteína, gordura e açúcar, o leite materno é
considerado o alimento mais eficaz para a nutrição dos bebês. Por conta disso,
a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que as crianças sejam exclusivamente
amamentadas até os seis meses de vida e preconiza que a ação
seja mantida, mesmo após a introdução alimentar, até os dois anos de idade (ou
mais) dos pequenos.
Para
além da função nutricional, muito se discute sobre o possível impacto do
alimento no desenvolvimento fisiológico da criança. Recentemente, um estudo
encabeçado por pesquisadores do Butantan e publicado no Journal of Clinical Nutrition and Dietetics revisou
os aspectos sobre a presença de proteínas no leite humano que podem gerar
peptídeos bioativos capazes de contribuir na regulação do sistema imunológico,
da atividade anti-hipertensiva, da dor e da sensibilidade, além de possuir
outras funcionalidades.
A
hipótese é que os peptídeos bioativos possam se formar durante o processo
digestivo que acontece no estômago do bebê principalmente devido à clivagem da
caseína – importante proteína encontrada no leite materno, mas que isoladamente
não possui nenhum tipo de efeito.
Os pesquisadores conduziram experimentos para isolar e caracterizar esses peptídeos, combinando os testes em laboratório com uma extensa revisão literária sobre o assunto. “Utilizamos a tripsina, enzima secretada pelo pâncreas e cuja função é digerir as proteínas ingeridas para ‘mimetizar’ uma ação digestiva similar à dos bebês”, explica o primeiro autor do estudo e pesquisador científico do Laboratório de Bioquímica do Butantan Ivo Lebrun, que desde a década de 1990 vem trabalhando com isolamento e análise de diversos peptídeos.
Substâncias
bioativas e suas funções
Uma
das evidências apontadas pelos cientistas do Butantan no estudo foi a presença
de um grupo de peptídeos que pode estar relacionado à atividade
imunoestimuladora nas crianças, contribuindo para ativação de linfócitos –
célula de defesa do organismo. “Como os pequenos não possuem esse sistema
totalmente calibrado, ter compostos que auxiliam o processo faz com que a
‘configuração’ aconteça de forma mais eficaz”, observa Ivo.
Também
foi notada a presença de peptídeos potenciadores de bradicinina. A substância é
responsável por inibir a ação da enzima conversora de angiotensina, atuando na
degradação do componente que faz com que as paredes musculares de determinadas
artérias se relaxem, desempenhando assim um papel valioso na regulação da
pressão arterial – inibidores similares já foram encontrados no veneno da
jararaca (Bothrops jararaca) e utilizados na formulação de um remédio para
combater a pressão alta.
Outro
achado mostrou que a clivagem enzimática da lactoferrina (proteína do soro do
leite) gera peptídeos antimicrobianos, que apresentam propriedade
bactericida capaz de inibir o crescimento de microrganismos como a Escherichia
coli, bactéria presente no intestino humano mas que quando desregulada pode
provocar doenças como diarreia e infecção urinária. Apesar de parecer algo
inofensivo à primeira vista, a diarreia é a terceira principal causa de morte
entre menores de 5 anos. Segundo a OMS, a doença mata quase 5 milhões de
crianças todos os anos no mundo, principalmente nos países de baixo
desenvolvimento econômico e social.
Já
os peptídeos opioides auxiliam na regulação da dor e nos ciclos de
sono do bebê. De acordo com o estudo, algumas dessas substâncias apresentam
atividade similar ao efeito provocado pela morfina – medicamento utilizado no
controle de dores intensas.
Por
fim, Ivo ressalta que peptídeos com atividade antitumoral também já
foram encontrados no leite materno – evidência que reforça os dados clínicos de
que mulheres lactantes têm menor predisposição ao câncer de mama. “Uma das
possibilidades discutidas é de que o leite seja, de alguma forma,
‘reprocessado’ pela glândula mamária, dando origem assim aos peptídeos que
podem gerar um efeito protetivo contra a doença”, explica.
Alimento
customizado
O
leite materno é feito “sob medida” para suprir as diferentes necessidades que o
bebê irá apresentar, principalmente ao longo do seu primeiro ano de vida. Logo
após o nascimento, por exemplo, os recém-nascidos sugam o colostro. Denso e
amarelado, o líquido é rico em lipídios e minerais, além de conter um aporte
considerável de anticorpos que foram passados pela mãe e protegem o organismo
dos pequenos da ação de vírus e bactérias. A fim de garantir a chamada
“proteção passiva”, é recomendado que as gestantes atualizem o esquema vacinal
da hepatite B e da tríplice bacteriana se necessário, recebam o reforço da
vacina antitetânica e os imunizantes contra a gripe e a Covid-19, conforme
indicado nas campanhas sazonais.
Por
volta do quinto dia após o parto, o colostro começa a mudar de aparência,
assumindo um aspecto mais claro e cremoso. O “leite transicional” apresenta
menos anticorpos e maior concentração de proteínas. Nessa fase, o bebê ganha
peso rapidamente e inicia sua atividade digestiva – quando então são gerados os
peptídeos bioativos. Passados 10 a 15 dias do nascimento, as glândulas mamárias
vão então produzir o “leite maduro”. Com menos proteína e mais açúcar, a
substância de sabor levemente adocicado é essencial para o desenvolvimento dos
tecidos cerebrais e confere o aporte de energia necessário para a criança.
As
amostras analisadas pelos pesquisadores do Butantan também comprovaram que o
leite humano varia bastante de uma pessoa para outra. Mesmo quando em
“estágios” iguais – colostro, transicional ou maduro –, a composição dos
líquidos apresenta divergências. “O organismo da mãe produz o leite exatamente
de acordo com o que a sua criança precisa. É algo incrível”, aponta a biomédica
e gerente de produção do setor de Processamento de Plasmas Hiperimunes do
Butantan Aline Auada, também autora do estudo.
Agosto
Dourado
De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), a amamentação é
uma forma barata e segura de evitar mais de um milhão de mortes de crianças
todos os anos.
A
fim de reforçar a importância do aleitamento materno, os primeiros dias de
agosto marcam a Semana Mundial do Aleitamento Materno (SMAM). A data foi criada no ano de 1992 pela Aliança
Mundial de Ação Pró-Amamentação (WABA, na sigla em inglês), colocando em pauta
assuntos que dizem respeito ao direito à amamentação. No Brasil, desde 2017 a
programação se estende por todo o mês de agosto, que ficou conhecido como Agosto
Dourado – a cor relaciona-se ao padrão ouro de qualidade do leite
materno.
Em
2024, a WABA estabeleceu o tema “Reduzindo a lacuna: apoio à
amamentação para todos”. O objetivo das discussões é suprir as lacunas
existentes na sociedade e eliminar as desigualdades que ainda existem no apoio
à amamentação. “Como mãe, acredito que amamentar é uma ação completa. Por meio
do meu leite, sei que ofereci o que eu tinha de melhor ao meu filho, e vivemos
momentos únicos de interação e vínculo profundo”, completa Aline, que além de
cientista é mãe do pequeno Marcelo, de 7 anos.
Fonte_ Butantan
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