O
Museu de Ciência de Londres, no Reino Unido, montou uma exposição temporária
para marcar a epopeia do desenvolvimento e da aplicação das vacinas contra a
covid-19 em tempo recorde.
Numa
das prateleiras, é possível ver a seringa, a ampola e a bandeja de papelão que
foram usadas no dia 8 de dezembro de 2020, quando a inglesa Margaret Keenan, de
90 anos, se tornou a primeira pessoa a receber a vacina contra a covid-19 fora
dos estudos clínicos.
'Covid zero': por
que China tem dificuldade para vacinar idosos
Na saúde, Lula terá
desafios como vacinação baixa e mortalidade materna em alta
De
lá para cá, outras 13 bilhões de doses foram administradas em todo o mundo,
incluindo os reforços e os imunizantes atualizados, que protegem contra as
variantes mais recentes.
O
que aprendemos nesses dois anos de campanha? O que os dados revelam sobre a
efetividade dos imunizantes? E o que se sabe sobre os efeitos colaterais?
Em resumo, os estudos mostram que as vacinas contra
a covid testadas e aprovadas foram as principais responsáveis por conter as
hospitalizações e as mortes pela infecção — sem elas, os números de afetados
pela crise sanitária seriam bem maiores.
Além disso, os eventos adversos mais graves são
considerados raros pelas instituições de saúde pública.
Os efeitos práticos
"A vacinação contra a covid marcou a diferença
entre morrer e sobreviver para muitas pessoas", resume a médica Isabella
Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Desde que as doses começaram a ser aplicadas na
maioria da população, as taxas de internações e mortes decorrentes das
complicações relacionadas ao coronavírus caíram consideravelmente.
E, mesmo com a chegada de variantes mais
transmissíveis, como a ômicron, a imunização garantiu que a maioria das pessoas
não ficasse severamente doente ou morresse.
O
Brasil é um exemplo disso: quando as primeiras vacinas foram aprovadas pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em janeiro de 2021, o país
estava prestes a viver o momento mais grave de toda a pandemia.
Entre
o final de março e o início de abril do ano passado, a média móvel diária de
mortes por covid chegou a superar a casa das 3 mil (com registros de 72 mil
novas infecções/dia), segundo
o Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).
Com
o passar das semanas — e o aumento da porcentagem de brasileiros vacinados — os
números começaram a cair aos poucos.
Essa
estatística só voltou a subir novamente em janeiro de 2022, com a chegada da
variante ômicron. Mesmo assim, o pico dessa onda foi de 950 mortes diárias,
enquanto o número de novas infecções chegou a 189 mil a cada 24 horas.
Para
a comparação ficar mais clara:
Pico
da onda de março/abril de 2021: média de 75 mil
casos e 3 mil mortes por dia.
Pico
da onda de janeiro/fevereiro de 2022: média de 189 mil
casos e 950 mortes por dia.
Um
outro indício da efetividade das vacinas vem de uma pesquisa publicada no
último dia 13 de dezembro.
Nela,
o Fundo Commonwealth pediu que cientistas da Escola de Saúde Pública da
Universidade Yale, nos Estados Unidos, tentassem responder a uma pergunta: e se
não tivéssemos vacinas contra a covid-19 até agora?
Os
resultados encontrados indicam que só os EUA teriam enfrentado 18,5 milhões
de hospitalizações e 3,2 milhões de mortes adicionais por covid nesses últimos
dois anos.
Além
disso, o programa de vacinação americano representou uma economia de US$ 1,15
trilhão em custos médicos, que seriam necessários para bancar o tratamento dos
casos extras da infecção.
"Desde
dezembro de 2020, 82 milhões de infecções, 4,8 milhões de hospitalizações e 798
mil mortes foram registradas no país. Em outras palavras, sem a vacinação, os
EUA teriam experimentado 1,5 vez mais infecções, 3,8 vezes mais hospitalizações
e 4,1 vezes mais mortes", comparam os autores.
E
os efeitos colaterais?
"Quanto
mais tempo passa e mais doses das vacinas contra a covid são aplicadas, mais
temos certeza sobre o perfil de segurança delas", responde Ballalai.
Nesses
dois anos, as agências regulatórias e as instituições públicas de saúde
realizam um grande esforço para monitorar e investigar cada caso de provável
evento adverso pós-vacinação.
O
Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS, na sigla em inglês) aponta
que os "efeitos colaterais sérios são muito raros".
Entre
os incômodos mais comuns após a vacinação, eles destacam:
-
Dor no local da injeção;
-
Sensação de cansaço;
-
Dor de cabeça;
-
Dor no corpo;
-
Febre;
-
Sensação de mal-estar ou de estar doente.
A
entidade detalha que "a maioria desses efeitos colaterais são leves e
devem durar menos de uma semana".
"Se
estiver com temperatura alta por mais de dois dias, uma tosse contínua ou
perder o paladar e o olfato, você pode estar com covid-19", orienta o NHS.
"Você
não pega a covid da vacina, mas é possível ter se infectado pouco antes ou
depois de receber a dose", complementa
o artigo.
Mas
e os eventos adversos graves? O que dizem os números mais recentes?
O
mais atualizado registro de estatísticas do tipo é
publicado pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos
(CDC).
Numa
publicação, a entidade aponta a quantidade proporcional de casos de efeitos
colaterais mais graves conhecidos até o momento:
Anafilaxia
(reação alérgica severa após a vacinação): 5 casos a
cada 1 milhão de doses aplicadas;
Trombose
relacionada à vacina da Janssen: 4 casos a cada 1
milhão de doses aplicadas;
Síndrome
de Guillain-Barré relacionada à vacina da Janssen: não
há um número fixo, mas houve um pequeno aumento de casos em homens com mais de
50 anos imunizados com esse produto, em comparação com aqueles que receberam
doses da Pfizer;
Miocardite
e pericardite (inflamações cardíacas) em jovens
que tomaram a vacina da Pfizer:
Dos
12 aos 15 anos: 70,7 casos por milhão de doses
aplicadas;
Dos
16 aos 17 anos: 105,9 casos por milhão de doses
aplicadas;
Dos
18 aos 24 anos: 52,4 casos por milhão de doses
aplicadas.
O
CDC informa que "a maioria dos pacientes que tiveram miocardite e
pericardite depois da vacinação contra a covid-19 responderam bem ao tratamento
e ao repouso e se sentiam melhor rapidamente".
A
entidade reafirma que "múltiplos estudos e revisões dos dados dos sistemas
de monitoramento de segurança continuam a mostrar que as vacinas são
seguras".
Sobre
as mortes, os registros americanos calculam que, das 657 milhões de doses
administradas por lá até 7 de dezembro de 2022, foram identificadas 17,8 mil
mortes após a vacinação (ou 0,0027% do total), mesmo que a aplicação das doses
não fossem identificadas como a causa direta disso. A investigação de todos
esses casos por meio de análises de registros médicos e autópsias encontrou
apenas nove mortes associadas ao uso da vacina da Janssen por lá.
Ballalai
lembra que nenhum remédio, imunizante ou procedimento é isento de riscos.
"Todos esses dados nos mostram que o custo-benefício de vacinar supera de
longe os eventuais e raros problemas", conclui.
O
que vem pela frente
Passados
dois anos desde que as primeiras vacinas contra a covid-19 começaram a ficar
disponíveis, ainda existem muitos desafios para controlar o coronavírus de
fato.
"Do
ponto de vista global, temos países que estão bem atrasados na
imunização", destaca o médico epidemiologista André Ribas Freitas,
consultor científico de A Casa, uma plataforma que reúne agentes nacionais de
saúde e agentes de combate às endemias.
No
Haiti, por exemplo, apenas 2% da população tomou as duas doses iniciais. Os
números também são baixos em países como Argélia (15%), Mali (12%), Congo (4%)
e Iêmen (2%).
"Isso
representa uma preocupação muito grande, pois a manutenção da transmissão viral
intensa representa um risco para o surgimento de variantes mais transmissíveis
ou patogênicas", alerta o especialista, que também é professor na
Faculdade de Medicina São Leopoldo Mandic, em Campinas, no interior paulista.
O
Brasil também tem os seus desafios próprios e rotas a corrigir durante os
próximos meses, apontam os especialistas.
"Alguns
estudiosos calculam que até 300 mil vidas poderiam ser salvas se tivéssemos
começado a vacinação antes e a todo vapor", lamenta Soraya Smaili,
professora de farmacologia e ex-reitora da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp).
Dados compilados pelo portal
CoronavirusBra1 revelam que 81% dos brasileiros tomaram o esquema
inicial da vacinação até o momento.
A
quantidade de indivíduos que receberam as doses de reforço, essencial para
proteger contra a variante ômicron, é bem mais baixa: apenas 56% das pessoas
estão com o esquema de imunização devidamente atualizado.
Além
de aumentar essa cobertura vacinal, os profissionais de saúde ouvidos pela BBC
News Brasil apontam outras duas fronteiras que o país precisará dar atenção nos
próximos meses: a proteção das crianças e a aplicação das doses bivalentes (que
protegem contra as variantes mais recentes) em grupos prioritários, como idosos
e imunossuprimidos.
"Uma
dessas vacinas bivalentes atualizadas já foi aprovada pela Anvisa e é
administrada nos Estados Unidos e na Europa. Precisamos dela para já,
principalmente para resguardar os mais vulneráveis às complicações da
covid", pontua Smaili.
Ballalai
aponta que esses imunizantes atualizados devem ficar restritos justamente a
esses grupos específicos. "As vacinas 'originais', que temos hoje em dia,
continuam a proteger bem o restante da população", diz.
Freitas,
por sua vez, entende que a imunização das crianças deve ser uma prioridade
máxima. "A cobertura vacinal contra a covid entre os mais jovens
brasileiros está muito baixa", destaca.
Apesar
de as mortes no público infantil serem menos frequentes, os números absolutos
são alarmantes: a
Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz) calcula que o Brasil registrou uma
morte de crianças de 6 meses a 5 anos por dia ao longo de todo o ano de 2022.
"Apesar
de estarmos num cenário muito mais favorável, a pandemia ainda não acabou e
entre 80 a 100 brasileiros ainda morrem todos os dias", destaca Ballalai.
"E
estar com a vacinação atualizada é a melhor estratégia para ficar mais
protegido", conclui a médica.
Fonte_BBC
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