O STF (Supremo
Tribunal Federal) aprovou, em sessão administrativa fechada ao público, uma
emenda ao seu regimento interno que impõe um prazo para a devolução de pedidos
de vista (mais tempo para análise de processos) e que também restringe
as decisões individuais dos ministros.
A
mudança, pautada pela presidente da corte, Rosa Weber, vai ao
encontro das tentativas dos últimos anos do Supremo de robustecer suas decisões
coletivas, em detrimento de determinações individuais dos ministros.
O
tribunal tem sido alvo de críticas justamente pelo número de ordens individuais
e por pedidos de vista que, na prática, impedem a conclusão de julgamentos por
meses ou até mesmo anos.
Segundo
a minuta da emenda regimental, obtida pela Folha e que deve ser
publicada no Diário da Justiça Eletrônico em janeiro de 2023, os pedidos de
vista deverão ser devolvidos ao colegiado em até 90 dias. Caso contrário, eles
ficarão automaticamente liberados para a continuação do julgamento.
A
minuta foi entregue aos ministros para avaliação e pode sofrer pequenos ajustes
no texto antes de ele ser publicado.
O
texto aprovado determina que "o ministro que pedir vista dos autos deverá
apresentá-los, para prosseguimento da votação, no prazo de 90 dias, contado da
data da publicação da ata de julgamento".
Atualmente,
apesar de o regimento do Supremo prever um prazo de 30 dias para a devolução
dos pedidos de vista, não há uma sanção para ministros que não restituem as
ações para julgamento. Dessa forma, é comum que os integrantes da corte fiquem
meses ou até anos sem liberar processos para serem julgados.
A
alteração regimental também estabelece que o plenário ou as turmas deverão
avaliar medidas cautelares tomadas individualmente pelos ministros —como
prisão, afastamento de cargo público ou interrupção de alguma política
governamental, entre outras— sempre que elas estiverem embasadas na necessidade
de preservação de direito individual ou coletivo.
Nesse
sentido, a emenda regimental prevê que sejam submetidas ao colegiado
"medidas cautelares de natureza cível ou penal necessárias à proteção de
direito suscetível de grave dano de incerta reparação, ou ainda destinadas a
garantir a eficácia da ulterior decisão da causa".
Caso
o ministro decida aplicar alguma decisão liminar (provisória e urgente) sobre
essas ações, deverá submetê-las "imediatamente" a todos os 11
ministros ou a uma das duas turmas de cinco ministros, de preferência em
julgamento virtual, onde os votos são depositados no sistema do Supremo durante
uma determinada quantidade de tempo.
Se
a medida cautelar resultar em prisão, ainda de acordo com a modificação, deverá
ser levada para julgamento presencial dos ministros. Se essa prisão for
mantida, deverá ser reavaliada pelo relator ou por um colegiado de ministros a
cada 90 dias.
O
Supremo também definiu um período de transição para que a corte adeque
processos antigos às novas regras.
Deverão
ser submetidos aos integrantes, em um prazo de 90 dias úteis a partir da
publicação da emenda regimental, liminares e pedidos de vista anteriores à
publicação da mudança no regimento. Ou seja, determinações individuais tomadas
no passado e que não tenham sido apreciadas em colegiado deverão ser julgadas.
A
medida é uma mudança drástica nos procedimentos da corte, que costuma segurar
pedidos de vista ou decisões liminares que podem durar anos intocadas. O tema
já causou atritos entre os ministros.
O
ministro Luiz
Fux, por exemplo, segura desde janeiro de 2020 o julgamento de ações
que tratam da implementação do juiz das garantias —que divide a
responsabilidade de processos criminais em dois magistrados, um que autoriza
diligências da investigação e outro que julga o réu.
Fux
suspendeu por meio de liminar a instituição do modelo, aprovado
pelo Congresso, devido a questionamento de entidades ligadas a juízes e ao
Ministério Público. Ele é o relator dos processos.
Outro
exemplo é o pedido de vista do ministro André Mendonça, de abril de 2022, de
duas ações da chamada pauta ambiental do Supremo.
A
ministra Cármen Lúcia havia votado por determinar ao governo federal que
apresentasse em 60 dias um plano de execução "efetiva e satisfatória"
para a redução do desmatamento na Amazônia e o resguardo do direito dos
indígenas que vivem na região.
Mendonça
paralisou a votação e não devolveu os processos para a continuidade do
julgamento.
Além
disso, prisões como as que têm sido determinadas pelo ministro Alexandre de Moraes
em ações relacionadas a milícias digitais e atos antidemocráticos terão que ser
revisadas presencialmente pelos ministros.
As
mudanças no regimento do Supremo foram aprovadas em uma sessão administrativa
virtual que aconteceu entre 7 e 14 de dezembro. Elas ainda não foram divulgadas
pela corte.
Na
sessão de encerramento do ano do Judiciário, no último dia 19, Rosa Weber
chegou a afirmar que, recentemente, haviam sido aprovadas "alterações
regimentais que representam importante passo para o reforço à institucionalidade,
em prol do aperfeiçoamento do STF e para o bem da sociedade brasileira".
Ela,
porém, não detalhou o que havia sido definido pelos ministros.
A
maioria das mudanças foi aprovada por unanimidade, mas, durante a sessão
administrativa, o ministro Kassio Nunes Marques afirmou que as medidas deveriam
ter sido levadas para discussão em plenário presencial.
"Em
que pese a praticidade do ambiente virtual, encontram-se em discussão
alterações procedimentais atinentes à competência do relator e dos órgãos
colegiados e devolução de vista", disse o ministro no seu voto.
"Todas
essas questões sensíveis, cuja votação presencial viabilizaria debate acerca de
nuances dos temas e delimitação precisa do alcance das medidas
apresentadas."
Ele
questionou ainda se as mudanças não atrasariam o julgamento das ações que
tramitam no Supremo, com "sobrecarga da máquina judiciária e retardo na
prestação jurisdicional".
Na
sessão administrativa, o STF deixou de julgar um tema que provocou divergências
entre os ministros: a possibilidade de um relator levar medidas cautelares de
uma das turmas (de cinco integrantes) para serem julgadas pelo plenário (de 11
integrantes) —depois disso, todas as decisões subsequentes nessas ações seriam
de responsabilidade do plenário.
A
discussão do tema foi adiada para uma sessão administrativa posterior.
A
discussão sobre restrição de decisões individuais já vinha sendo proposta pelos
ministros Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso.
Durante
sua presidência, entre 2020 e 2022, porém, o ministro Luiz Fux não conseguiu
construir um acordo para implementar regimentalmente as restrições.
O
tema se tornou alvo de discussões prioritárias no Supremo após a decisão do
ministro Marco Aurélio, hoje aposentado, de
soltar o narcotraficante André de Oliveira Macedo, o André do Rap, um dos
principais chefes do PCC.
A
ordem de Marco Aurélio foi dada após manobras da defesa de André do Rap para o
caso cair com um ministro cuja tendência era conceder uma decisão favorável no
caso.
Fux
e o plenário do STF agiram para revogá-la e para mudar a forma como os
processos eram distribuídos entre os ministros, mas o narcotraficante fugiu e
está foragido da Justiça até hoje.
A
partir de então, Fux, então presidente da corte, passou a defender em reservado
o retorno à pauta de uma medida que restringisse decisões individuais.
Mas
o próprio Fux acabou resistindo a uma sugestão do ministro Gilmar Mendes
relativa ao tema. O decano do Supremo queria que houvesse um período de
transição que obrigaria os ministros a colocar em votação decisões individuais
que já estavam em vigência.
Fonte_Folha
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