A
Butantan-DV, vacina da dengue desenvolvida pelo Instituto Butantan e
recém-aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), é fruto
do trabalho direto de mais de 200 cientistas e colaboradores – uma jornada que
teve início em 2009, quando o Brasil enfrentava recordes de dengue. Naquele
ano, ao atingir a marca de 1
milhão de casos prováveis e quase 900
mortes, a doença que circulava desde 1980 se consolidou como um agravo
de saúde pública no país.
Foi
nesse cenário que o Instituto Butantan estabeleceu uma parceria com os
Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos, por influência do
pesquisador Isaias Raw, que dirigiu o Instituto entre 1991 e 1997 e a Fundação
entre 2005 e 2009. O NIH cedeu as quatro cepas atenuadas do vírus da dengue
(DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4) para que o Butantan desenvolvesse a primeira
vacina brasileira contra a doença.
Diferentes
formulações, fase 1 e fase 2
Usando
uma formulação específica do imunizante, denominada TV003, o NIH conduziu a
fase 1 do ensaio clínico nos EUA, entre 2010 e 2012, e avaliou o produto em 113
voluntários saudáveis sem contato prévio com o vírus. Após uma única dose, 90%
dos participantes produziram anticorpos contra a dengue, e o imunizante mostrou
um bom perfil de segurança. Os resultados foram publicados no The
Journal of Infectious Diseases.
Enquanto
isso, no Brasil, a equipe do Instituto Butantan trabalhava em sua
própria formulação, sob liderança da pesquisadora Neuza Frazatti Gallina,
gerente de Desenvolvimento de Processos do Laboratório Piloto de Vacinas
Virais. Foram 270 experimentos e 50 tentativas de formulação até
chegar ao produto final. Como a vacina precisava ter a mesma concentração de
cada sorotipo, e cada cepa perdia diferentes quantidades de partículas virais
ao longo do processo produtivo, foi necessário estudar separadamente cada uma
delas.
Entre 2013 e 2015, com a formulação brasileira e os resultados positivos da fase 1 dos Estados Unidos em mãos, o Butantan obteve aprovação da Anvisa para seguir para o ensaio clínico de fase 2, que incluiu 300 adultos brasileiros de 18 a 59 anos. Da mesma forma que a versão norte-americana, a vacina do Butantan gerou resposta imune robusta com apenas uma dose. Além disso, se mostrou segura tanto em quem já tinha tido contato com o vírus como naqueles que nunca tiveram a doença. Os resultados foram publicados na The Lancet Infectious Diseases.
A
etapa decisiva (The Final Countdown)
Estabelecidas
a segurança e a capacidade da Butantan-DV de gerar anticorpos contra os quatro
sorotipos da dengue com apenas uma dose, o estudo caminhou para a fase 3 em
2016. O objetivo agora era avaliar a eficácia do produto, isto
é, o quanto de fato ele protegia contra a doença em regiões de alta circulação
do vírus.
Para
concretizar o ensaio clínico, o Instituto Butantan estruturou uma rede de 16
centros de pesquisa, divididos em 14 estados brasileiros, que assumiram a
missão de recrutar 16 mil voluntários de 2 a 59 anos. O
Butantan forneceu capacitação aos profissionais de saúde dos centros envolvidos
e deu suporte para criar a infraestrutura necessária para abarcar um dos
maiores estudos clínicos já feitos no Brasil.
A
pesquisa prosseguiu até que cada um dos participantes completasse cinco anos de
acompanhamento – era preciso avaliar a manutenção da resposta imune e da
segurança ao longo do tempo.
Em
janeiro de 2024, veio a boa notícia: os primeiros resultados da fase 3,
referentes a dois anos de seguimento, mostraram uma eficácia geral de 79,6%. Em
pessoas que já apresentavam anticorpos para a dengue antes do estudo, a
proteção foi de 89,2%; naqueles que nunca haviam tido contato com o vírus, a
eficácia foi de 73,6%. Os dados foram publicados no New England Journal
of Medicine.
A próxima publicação viria em agosto do mesmo ano na The Lancet Infectious Diseases, com dados de uma média de 3,7 anos de acompanhamento, mostrando uma eficácia de 89% contra a dengue grave ou com sinais de alarme. A vacina também se manteve segura e não foram detectadas preocupações adicionais de segurança.
Com
os resultados satisfatórios, o Butantan encaminhou à Anvisa o pedido de
registro da vacina da dengue em dezembro de 2024, quando entregou a última leva
de documentos exigidos pelo órgão regulador.
A
aprovação da Butantan-DV para pessoas de 12 a 59 anos, anunciada
nesta quarta-feira (26/11), foi embasada nos últimos resultados da fase
3, que contemplam os cinco anos de acompanhamento dos voluntários. Em
adolescentes e adultos, os dados apontaram 74,7% de eficácia geral e 91,6% de
eficácia contra dengue grave e com sinais de alarme.
A
expectativa é que a Butantan-DV seja incorporada ao Programa Nacional de
Imunizações (PNI) e disponibilizada ao sistema público de saúde em 2026.
20
milhões de casos em 20 anos
O
registro da tão aguardada vacina do Butantan vem em um momento marcante,
seguido da maior epidemia de dengue da história do Brasil: em
2024, o país atingiu a marca de 6,5 milhões de casos prováveis, quatro vezes
mais do que em 2023. Em 2025, até novembro, foram notificados 1,6 milhão de
casos prováveis.
A
dengue é uma doença que circula no Brasil desde a década de 1980, quando a
primeira epidemia foi documentada em Boa Vista (RR). O mosquito Aedes
aegypti, vetor do vírus, se espalhou por todo o país devido ao clima
favorável e ao crescimento dos centros urbanos. Entre 2000 e 2024, foram
notificados um total de 24
milhões de casos prováveis e 16
mil mortes.
Metade
da população mundial vive em risco de contrair o vírus da dengue, segundo
a Organização
Mundial da Saúde (OMS). A organização estima que cerca de 100
milhões a 400 milhões de casos ocorram todos os anos. Embora a infecção possa
ser assintomática, existem pacientes que evoluem para a forma grave, que pode
causar hemorragia e até a morte sem o tratamento adequado.
Fonte _ Butantan
.jpg)
.jpg)
.jpg)
Nenhum comentário:
Postar um comentário